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por Mário Firmino*

Soluções de TI não colam na pequena empresa porque pedem do pequeno empresário uma exigência descomunal de mudança de atitude, em vez de atendê-lo em necessidades concretas e imediatas de automação

Por que será que o ERP ou o CRM não emplacam no chamado Small Medium Business, por mais que se reduzam seus preços e se invista enormemente em marketing para este fim? As respostas podem ser muitas, mas sem dúvida um dos motivos está na alienação da indústria em relação às necessidades da pequena empresa e ao tipo de lógica em que está ancorada a sua política de investimentos.

Anos atrás, uma revista norte-americana apontava que só 2% dos recursos do Microsoft Word eram realmente usados nas empresas. Mas se a maior parte das empresas tivesse que assimilar todo o manual deste software para usá-lo a contento; seu custo de propriedade (TCO) seria simplesmente astronômico.

Assim, não há dúvida de que o sucesso das aplicações Windows se deve, em grande parte, ao aspecto “agite-e-use”; ou seja: basta conhecer um mínimo da interface e dominar meia dúzia de comandos para se extrair o valor desejado. Parece que a lógica de funcionamento da micro e pequena empresa guarda um paralelo com isto.

No mundo da tecnologia, no entanto, as coisas não parecem ser assim. Há anos, escuta-se aqui e ali o alarde dos fornecedores de TI que “a partir de agora, o segmento-alvo de todos é o chamado small medium business”.

Grandes soluções de ERP, sofisticados CRMs, os mais renomados sistemas de e-business do planeta… tudo isto passaria a ser ofertado para o pequeno negociante – a preços “acessíveis” – como o verdadeiro passaporte para a modernidade ou para o mercado global. É a questão de se insistir na pergunta: por que as pequenas empresas resistem de forma tão veemente a adotar estas soluções incríveis?

Analisemos o exemplo singelo das soluções de ERP. Projetada para uma cultura de gestão empresarial de moldes norte-americanos e com inegável inspiração na mega-empresa, a própria idéia de ERP se demonstra incompatível com um modelo empresarial no qual a figura do empreendedor (leia-se o “dono”) imprime sua personalidade e seu “feeling” como parâmetros de fracasso ou sucesso.

Este empreendedor, dificilmente, aceitaria adquirir uma solução da qual não tenha uma compreensão muito clara. É como oferecer a “custos módicos”, a opção da Nave Enterprise (aquela da Guerra nas Estrelas) para quem necessita fazer uma viagem até o subúrbio mais próximo.

E este mesmo tipo de análise se aplica às novas soluções de e-business ou de atendimento one-to-one, como apregoa hoje a nova moda de TI. Em todos estes exemplos, há uma sensação de inadequação que não está só no custo da solução. É bem verdade que o custo “acessível”, que é freqüentemente alegado, está longe de sê-lo de fato, face à realidade do “small-business” brasileiro, de resto bastante diversa da do “small-business” norte-americano.

Coloca-se ao pequeno empresário uma exigência descomunal de mudança de atitude, para que ele “se adapte” à solução, ao invés de atendê-lo em necessidades concretas e imediatas de automação. Querem apenas que ele troque sua combativa camioneta por algo como a Nave Enterprise, muito mais moderna, mais possante, mais versátil. Além da manutenção bem mais cara, só é necessário tirar um MBA ou contratar a consultoria da equipe do Capitão Kirk.

O apelo é bastante insistente, mas o pequeno empresário não o atende: ele prefere a praticidade da sua fiel camioneta, mesmo que ela não esteja apta às piruetas intergalácticas. É por isto que a indústria de TI vem sempre com a lamúria de que as pequenas e médias empresas do país são antiquadas por natureza e, portanto, avessas à tecnologia.

Mas aí estão os coletores de código de barras ou as soluções automáticas de consulta remota ao sistema de crédito, hoje espalhadas por milhões de bancas de jornais, butiques, açougues e lava-jatos de todos os cantos do Brasil. Eles servem para demonstrar que a tecnologia tem lugar na pequena empresa desde que a indústria de TI reconheça que é necessário ir por partes. Como convencer, por exemplo, o pequeno fabricante a investir em B2B se ele ainda usa telefone e fax para a troca diária de informações? Não seria o caso de conectá-lo, primeiro, num ecossistema de negócios? Supply-chain, business intelligence, leilões reversos… Com a disseminação do software gratuito, os mais sofisticados itens de tecnologia estão à disposição para qualquer empresa “entry-level” que queira experimentá-los.

Mas tudo indica que a pequena empresa não quer nada disto. Prefere aquelas aplicações que facilitem realmente o dia-a-dia e que ajudem a incrementar a produtividade de forma concreta, ou a enxergar novas perspectivas de negócio, mas com a mínima mobilização de ativos tecnológicos e sem a perturbação cultural que as grandes revoluções provocam.

Acontece com a pequena empresa o que acontece com o usuário que não quer estudar o manual completo do Microsoft Word e adquire este software exatamente porque ele traz 10 funções essencialmente auto-explicativas e, na prática, auto-justificáveis.

* Mário Firmino é diretor da Bizavista. Artigo originalmente publicado no siteWebinsider.

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