Carreiras | Empregos

Presidente do conselho da lendária fábrica de motocicletas Harley-Davidson, Richard Teerlink juntou-se às fileiras da empresa em 1981. CEO da empresa por oito anos, entre 1989 e 1997, atualmente ocupa o cargo de Chairman of the board -presidente do conselho administrativo. Formado em Contabilidade, tem um MBA pela University of Chicago, em Chicago, Illinois, EUA. Nessa entrevista, Teerlink revela como a empresa ressurgiu das cinzas depois de quase falir duas vezes e selou seu destino de sucesso.
A Harley-Davidson é a charmosa fabricante de motocicletas dos EUA, estrela de filmes cult como “O Selvagem e “Sem Destino”. Hoje a Harley-Davidson é ícone norte-americano, lenda, objeto do desejo e também símbolo de status. No entanto, nem todos os dias de sua longa vida foram de glória. A primeira ameaça foi a crise de 1929. Várias décadas e uma guerra mundial depois, os concorrentes japoneses lhe “roubaram” participação no mercado. Por fim, no início dos anos 80 um grupo de executivos tomou a decisão quase heróica de salvá-la.
Em entrevista exclusiva ao diretor editorial de HSM Management, José Salibi Neto, Richard Teerlink, presidente do conselho de administração da Harley e um dos executivos salvadores, relembra a história da volta por cima.
Ele conta que, em vez de procurar culpados pelo problema, a empresa admitiu a perda de qualidade e, assim, pôde agir para reverter a situação, com a reengenharia do processo de produção, o envolvimento dos funcionários e o foco nos clientes.
A Harley-Davidson passou por grandes mudanças nos últimos 17 anos, desde que um grupo de executivos, entre os quais o sr., comprou a empresa da American Machine and Foundry Company (AMF). Como foi a transformação da companhia?
Teerlink – Em 1981, os problemas da empresa começaram a ter impacto sobre as vendas. As máquinas não eram de boa qualidade e até os fãs mais fervorosos da marca começaram a comprar de nossos concorrentes japoneses. Convencida de que já não seira possível salvar a companhia, a AMF decidiu procurar possíveis compradores, mas não encontrou muitos interessados. Vaughn Beals, um dos executivos seniores da Harley-Davidson, abriu as negociações para comprá-la, juntamente com outros 12 administradores que ainda acreditavam na empresa e em seus produtos. Esse grupo de administradores conseguiu comprar a empresa graças a um empréstimo feito por um consórcio de bancos liderados pelo Citibank. O mais importante foi reconhecer que havia problemas de qualidade e confiabilidade que precisávamos solucionar se quiséssemos sobreviver. A dificuldade estava dentro da companhia e não fora dela.
Quais foram as molas-mestras dessa transformação?
Teerlink – Em Primeiro lugar, fizemos um programa para o desenvolvimento de produtos; depois tivemos de incorporar em nossa produção um nível de excelência; em terceiro lugar, adotamos uma filosofia voltada para o cliente. Depois de fazer tudo isso, começamos a ter cada vez mais sucesso. Em 1981, a palavra que melhor descrevia nossas atividades era “sobrevivência”. Mas, quando superamos essa fase, reconhecemos que precisávamos deixar de usá-la como grito de guerra. Hoje o termo adequado seria “renovação”, e sabemos que a necessidade de renovação constante muda a realidade. Estamos conscientes também de que o fator que nos manterá vivos será nossa vantagem competitiva em longo prazo, ou seja, as pessoas que trabalham conosco. Levando tudo isso em conta, percebe-se que é necessário mudar o papel do líder, transformando-o em alguém responsável pelo ambiente operacional em que os funcionários estão imersos no dia -a – dia. Não acredito que alguém possa ignorar a importância desse assunto, mas muitas vezes ele não é o enfoque principal porque existem outras coisas que nos preocupam. Por isso, decidimos investir em um processo que dava apoio ao esforço empreendido pelo nosso pessoal. Isso foi explicado com uma comunicação eficaz, para que a organização inteira soubesse o que estávamos procurando realizar e cada funcionário pudesse identificar sua responsabilidade no processo global. A resposta foi excelente, sobretudo porque foi coordenada com o aprendizado individual. A Harlev- Davidson não é uma companhia que diz às pessoas o que devem aprender ou que devem fazer determinado curso; cada pessoa toma suas decisões. Essa política criou muitas oportunidades para nós, assim como nos deu a força necessária para levar adiante as mudanças essenciais na nossa maneira de trabalhar.
Qual foi o desempenho da empresa nesses 17 anos?
Teerlink – Em 1982, nossa participação no mercado nos Estados Unidos era de aproximadamente 15%; em 1997 chegou a 49%. A receita em 1982 estava por volta de US$ 210 milhões; em 1997 pulou para US$ 1,7 bilhão. Quanto aos lucros, tivemos um prejuízo de US$ 16 milhões líquidos no início de nossa gestão, mas em 1997 ganhamos US$ 174 milhões. O número de funcionários nesses 17 anos passou de 2.300 para 5.000. Na verdade, se tivéssemos investido US$ 100 em ações da Harley- Davidson em 1986, quando elas começaram a ser cotadas em bolsa de valores, e tivéssemos reinvestido todos os dividendos, o valor desse investimento em 31 de dezembro de 1997 teria sido US$ 4.067. Isso implica um retorno anual combinado de aproximadamente 40%. Outro dado significativo é a ligação com a satisfação dos clientes: ela está perto de 90% e quase todos estão dispostos a repetir a compra.
Como a Harley “plantou” os fundamentos que a transformariam?
Teerlink – Esses fundamentos foram assentados quando decidimos identificar a causa do problema, coisa que muitas vezes a alta gerência prefere ignorar. A maior parte dos diretores põe a culpa nos outros. Eles não querem reconhecer que foram eles mesmos que permitiram que a situação chegasse a um ponto crítico. Quando se chega a esse ponto, temos de começar a nos perguntar o que é preciso mudar. Como já mencionei, havíamos identificado na Harley-Davidson três fatores fundamentais de transformação e, de um modo ou de outro, precisávamos trabalhar com todos eles. Entretanto, como não é possível desenvolver novos produtos de um dia para o outro, é importante saber o que será feito nesse meio tempo. Começamos a utilizar programas just-in-time, o que nos permitiu economizar custos de estoque e armazenamento. A redução do estoque abriu um espaço livre na fábrica e pudemos eliminar os pontos de engarrafamento que aconteciam na, linha de montagem. Implementamos ainda outros elementos, tais como o controle estatístico de processos, para podermos medir o nível de qualidade à medida que a fábrica produzia. Como não tínhamos dinheiro em caixa, reduzimos o tempo de montagem para poder usar menos mão-de-obra no estoque. Por exemplo, guardamos as peças pintadas e cromadas em recipientes acolchoados a fim de reduzir possíveis danos e ter um controle visual melhor das caixas de embalagem.
A demanda é maior que a oferta no caso das motos Harley-Davidson. Como os srs. lidam com a linha de produção?
Teerlink – Tínhamos uma produção demasiado pequena, mas desde 1986 estamos nos esforçando para aumentá-la. Nosso mercado cresceu muito mais rapidamente do que o previsto. Estamos procurando eliminar a diferença entre a oferta e a procura, mas sem descuidar da satisfação dos clientes. Nós os informamos de que estamos lutando para manter a qualidade e não queremos colocá-la em risco em virtude do número de unidades fabricadas.
Quais foram as mudanças introduzidas na área de marketing?
Teerlink – Basicamente reconhecemos que devíamos ajudar nossos revendedores a atrair mais clientes. Decidimos, então, fazer demonstrações, apresentar novos modelos e garantir o valor da transação para poder licenciar nossos produtos. Além disso, nós os encorajamos a mudar os pontos -de- venda para que não mais se parecessem com oficinas mecânicas. Por outro lado, inauguramos a clube de proprietários de Harley- Davidson, conhecido pela sigla HOG, que atualmente tem mais de 300 mil membros distribuídos por 90 lugares no mundo inteiro.
Quais são os objetivos desse clube?
Teerlink – O sócio do clube só tem uma razão para participar dele: dirigir uma moto e divertir-se. Com isso, convencemos as pessoas a se reunir e ter prazer juntas. Os concessionários localizados nos Estados Unidos organizam cerca de 47 encontros por ano.
Há pouco tempo, Jeff Bleustein, o novo CEO, declarou que sua empresa é “um pouco especial, um pouco misteriosa e um pouco travessa”. O que ele quis dizer com o termo “travessa”? A que está associado esse termo?
Teerlink – Faz parte da atração exercida por uma Harley-Davidson. Nossos compradores são pessoas que vivem no limite. Quando se vê alguém com uma Harley, sabe-se que se trata de uma pessoa diferente.
E como se explica que a Harley Davidson seja “um pouco especial e misteriosa”?
Teerlink – Se unirmos os dois conceitos perceberemos que os que dirigem uma Harley têm um vínculo emocional com sua moto. De alguma forma, a moto contribui para elevar a auto-estima dessas pessoas. O curioso é que acreditamos que vendemos um produto acabado muito bom; mas muitos compradores acrescentam coisas que fazem com que suas motos sejam únicas e diferentes de todas as outras.
Como é projetada a estratégia de publicidade? Por que não há campanhas em meios de comunicação de massa?
Teerlink – A publicidade é concentrada em revistas e publicações especializadas. Os concessionários podem fazer publicidade na televisão, se quiserem, mas nós acreditamos que os eventos promocionais são mais importantes porque nessas ocasiões e possível ver, respirar, sentir e tocar uma Harley. Essa experiência é mais rica que a observação de uma fotografia na página de uma revista, em um cartaz ou na tela do televisor. Preferimos que o público venha ver nossas máquinas em um encontro e testemunhe o que nossos motociclistas fazem, visitando creches para crianças e asilos de idosos. Isso não é publicidade, é confiança, é mostrar o coração e a alma da empresa. Somos uma companhia que se interessa pelas pessoas. Na realidade, nós nos consideramos uma família.
Como os srs. conseguem fazer com que a Harley Davidson seja uma marca de moda, atual, e ao mesmo tempo um ícone cultural atemporal?
Teerlink – Prestando atenção às exigências dos clientes. Uma marca tem credibilidade somente quando os compradores acreditam que seja assim. Portanto temos a obrigação de nunca violar nossos valores a fim de preservar o relacionamento que criamos com os compradores. Não queremos que a Harley-Davidson seja vista como uma companhia que considera o cliente exclusivamente como uma fonte de renda.
A marca Harley transmite a nostalgia do passado. Qual é a estratégia, utilizada para que os jovens não sejam atraídos pelas motos de seus concorrentes?
Teerlink – Além de ser uma moto de alto rendimento, podemos demonstrar que a experiência associada às Harley não – transmite apenas nostalgia; é um sentimento e uma recompensa por fazer parte de uma família que está completando 95 anos. Essa família não anda a toda velocidade; pelo contrário, aproveita a vida em cima de uma motocicleta e passa a fazer parte da paisagem. Uma pessoa pode dirigir sua Harley e, ao mesmo tempo, aproveitar tudo que a circunda, o que é muito melhor que se concentrar apenas no caminho a seguir. Nossos concorrentes vendem meios de transporte; nós vendemos sonhos e um estilo de vida.
Tom Peters disse que a Harley- Davidson é a única companhia que conseguiu criar um nível de fidelidade tão alto entre seus clientes que alguns deles chegam a tatuar o logotipo da companhia no braço. O que o sr. poderia sugerir a outras empresas interessadas em obter o mesmo grau de fidelidade?
Teerlink – É preciso perguntar quais são os vínculos especiais que dão sentido à vida, quais os elementos que os compõem e ter tudo isso em mente quando pensamos nos clientes. Formamos uma família integrada por todos que dirigem motos, pelos concessionários, por nossos fornecedores e pela fábrica. Todos nos respeitamos mutuamente. Temos um programa de licenças destinado a pessoas que gostam da marca mas não possuem uma Harley. Essas pessoas podem visitar o Harley- Davidson Café em Nova York ou em Las Vegas, ou receber um cartão Visa da Harley-Davidson, com sua fotografia. Além disso podem comprar uma infinidade de acessórios e brinquedos destinados a fazer com que as crianças se familiarizem com a marca.
Qual é a importância que os srs. dão ao aprendizado em sua empresa?
Teerlink – Costumamos usar uma frase que diz o seguinte: “Em tempo de mudanças, os que aprendem herdam o mundo; os que já sabem tudo, por outro lado, estão muito bem preparados para um mundo que deixou de existir”. Se não nos dedicarmos a aprender e não observarmos o que nossos concorrentes e outros setores estão fazendo, estaremos condenados ao fracasso. Estamos conscientes de que precisamos lutar para aumentar o mercado. Acreditamos no aprendizado em todos os níveis. A prova está na Harley-Davidson University, a universidade empresarial que fundamos. Nela treinamos os funcionários das nossas concessionárias e organizamos conferências para os fornecedores, apresentadas por especialistas vindos de todas as partes do mundo. Temos ainda um instituto para o desenvolvimento de liderança para a empresa. Afinal, é o nosso pessoal que dirige a companhia com sucesso.
Radiografia da Harley-Davidson
Presidente do conselho: Richard Teerlink
CEO: Jeffrey L. Bleustein
Sede: Milwaukee, Wisconsin, EUA
Ano da fundação: 1903
Produção de 1996: 118.000 motos
Produção prevista em 2003: 200.000 motos
Modelos fabricados: 20
Países em que opera: 47
Funcionários: 5.000
Membros do clube de proprietários de motos Harley (HOG): 300.000 em 90 sedes
Vendas em 1997: US$ 1,762 bilhão
Lucro líquido em 1997: US$ 174 milhões
Rendimento por ação: US$ 1,15
Fonte: HSM GROUP

Avalie:

Comentários 0 comentário

Os comentários estão desativados.