Carreiras | Empregos

Administrador, consultor, palestrante, autor de livro, professor universitário…Francisco Higa adquiriu, com toda essa experiência, material suficiente para escrever “Vai dar m…” (editora Gente), em que aborda as causas e as conseqüências da falta de planejamento das pessoas em todos os aspectos da vida. E, claro, dá dicas de como mudar a situação com muita disciplina e auto-conhecimento.
Formado em administração de empresas pela universidade paulistana Mackenzie, ele possui MBA internacional pela USP (Universidade de São Paulo) e OWEN University, nos Estados Unidos. Já trabalhou em várias empresas realizando projetos de reestruturação organizacional e quer voltar a dar aulas de administração de empresas na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), também em São Paulo. Viaja pelo Brasil e pelo mundo atuando como conferencista em eventos e atualmente é vice-presidente da consultoria em gestão empresarial Solving International, que tem sede em Paris.
Quem vê o vasto currículo de Higa pode se impressionar com o fato de ele ter origem humilde. Segundo o consultor, esse foi um dos agentes impulsionadores para ser uma pessoa disciplinada e focada em resultados. “Eu pensava: tenho que mudar essa situação. Se não tivesse essa postura, talvez hoje eu estivesse querendo comprar o livro, e não vender.”
Confira abaixo a entrevista concedida ao Empregos.com.br.
Empregos.com.br -Como chegou ao título “Vai dar M…”? A intenção era mesmo impactar?
Francisco Higa –
A intenção era chocar, mesmo. Comento muito que, no projeto em si, a gente consegue perceber se vai dar errado antes mesmo de ele ser realizado. Daí a expressão “Vai dar m…”. É um jargão bastante usado, para qualquer tipo de projeto, tanto pessoal quanto profissional. O que digo é que, quando isso ocorre, não foi azar nem surpresa, e sim falta de planejamento correto. Quando você pensa “vai dar m…”, deve automaticamente pensar em um plano B, em uma saída diferente.
Empregos.com.br -Quais são as principais deficiências de planejamento que você notou como consultor nesses 17 anos de carreira? Quais são as causas?
Francisco Higa –
O que pude observar é que essas deficiências ocorrem principalmente pelo comportamento dos líderes. Sempre que participo de uma palestra pergunto ao público: “qual é o maior problema na concretização dos projetos?” Todos sempre respondem que é o mau planejamento. Daí, retruco: “ué, se vocês já identificaram a causa, por que não mudam o comportamento e as diretrizes em relação a isso?” Às vezes existe muita teoria e pouca prática. Muitas reuniões em que todos falam, falam, falam e nada. O líder deve fazer com que o planejamento saia do âmbito das idéias e tome corpo.
Empregos.com.br – Seus argumentos prezam pela disciplina, o que vai contra o “jeitinho brasileiro”, de empurrar as coisas com a barriga. Como combatê-lo, já que está atrelado à nossa cultura e sociedade?
Francisco Higa –
Nós, brasileiros, temos três características típicas de nossa cultura bastante interessantes: a primeira é que somos um povo extremamente solidário, nos envolvemos com a causa dos outros. Essa solidariedade, porém, não pode ser misturada com inconseqüência. Um exemplo do que estou dizendo ocorre quando a pessoa joga lixo na rua sem se preocupar com os resultados negativos dessa atitude, como uma enchente. E, quando ela ocorre, o mesmo sujeito que jogou o lixo na rua ajuda o vizinho a reparar o estrago que ele próprio ajudou a causar.
Outro ponto que eu destacaria é a nossa criatividade. Estamos tão acostumados a lidar com problemas que conseguimos pensar nas saídas mais diferentes para as dificuldades. Esse excesso de jogo de cintura é a base do “jeitinho brasileiro”, que pode, em demasia, minar a disciplina e organização para obter-se resultados concretos.
A última característica que aponto é o otimismo da nossa população. Estamos sempre pensando positivamente: “no final vai dar tudo certo, se não está dando certo agora é porque ainda não chegou ao fim”. Temos que lidar com isso de maneira equilibrada para que não haja acomodação em nossas atitudes.
Empregos.com.br – O jornalista Sérgio Oyama escreveu, no prefácio da obra, que a humildade é uma das bases para o êxito em projetos, mas que costuma ser só um discurso entre os executivos, pois na prática é “aparentemente inaceitável”. Por que isso ocorre?
Francisco Higa –
O líder geralmente atinge esta posição por causa de sua ampla experiência na carreira. Com isso, ele às vezes tende a negligenciar coisas corriqueiras por considerá-las banais. Só que, se você deixa no piloto automático, esses pequenos detalhes podem trazer problemas depois. Por exemplo, quem toma mais multa de trânsito não é o motorista iniciante, e sim aquele mais experiente que acha que já sabe de tudo e acaba relaxando na prudência.
Os gestores devem ter humildade e alcançá-la olhando-se todo dia no espelho e fazendo uma auto-avaliação. Na cabeça deles o fato de ser o líder implica saber de tudo, acham que não podem falhar. Por isso, digo que a pessoa precisa ter coragem para ser um bom líder, pois ela deve ter humildade e coerência para assumir que não é auto-suficiente para tudo. Tem que saber o que está faltando. Uma frase típica que demonstra esse caso é “Ah, mas se fosse eu, faria diferente”. Então, faça você! O bom gestor tem de saber extrair o alto potencial de cada um e montar uma equipe heterogênea. Deve saber posicionar as pessoas de acordo com potencial de cada uma. Outra característica da humildade é a aplicação de regras iguais para todos, nada de “camaradagem”.
Empregos.com.br -É mais difícil fazer planejamento na vida profissional ou pessoal? Por que?
Francisco Higa –
Eu acredito que seja mais difícil fazer planejamento pessoal. Porque no âmbito profissional sempre há mais exigência externa, o superior cobra mais. Você tem que mostrar serviço para os outros. No caso do planejamento pessoal, o que pode acontecer é a pessoa pensar: “ah, eu tenho tudo na cabeça”, e achar que tem controle da situação. Isso pode resultar na velha atitude de empurrar com a barriga, o que é perigoso, pois uma hora você terá de estabelecer prioridades e deixar coisas aparentemente menos importantes de lado.
Empregos.com.br -Por que as pessoas associam o estresse ao sucesso de um projeto? Nesse contexto, “suar a camisa”, que tem conotação positiva, é uma expressão equivocada?
Francisco Higa –
Uma coisa é ser esforçado, aquela pessoa que tem limitações e tenta ir superá-las. É ter aquele “algo a mais”, de quem está sempre se esforçando para ser uma pessoa melhor. Isso é diferente de estresse, que ocorre quando a pessoa planeja mal seus projetos e, conseqüentemente, trabalha mais. As pessoas tendem a se orgulhar disso, pois confundem esse trabalho exagerado com esforço. Deveriam valorizar mais aquela pessoa que faz o trabalho em dia e que tem tempo para fazer outras coisas.
Empregos.com.br -Você diz no livro que para tudo é possível fazer planejamento, até para o socorro de acidente de carro. Como isso é possível em situações tão repentinas? Como controlar nosso lado emocional e agir racionalmente?
Francisco Higa –
Paciência é um requisito fundamental. Devemos, também, trabalhar nosso ego, pois em uma situação inesperada precisamos avaliar quem será o maior prejudicado.
Sempre conto um caso em minhas palestras, que reflete bem a importância da prevenção e da cautela: minha mãe tinha ganho um vaso, do Japão, um tempo atrás. Era um objeto de valor sentimental, e ela sempre o deixava ao lado do oratório, sobre uma mesinha. Meu sobrinho era pequeno, e você sabe como são as crianças, já começou a rondar a mesinha. Eu avisava à minha irmã para tomar cuidado, porque ele poderia quebrá-lo a qualquer momento. E ela dizia ao menino: “olha, se você quebrar o vaso eu vou te bater”. Claro que, pouco tempo depois, foi exatamente o que aconteceu! Minha irmã disse que ia bater no meu sobrinho, então falei: “bate, bate nele até o vaso voltar”. Acontece muito com os líderes que, ao invés de delegar, “delargam” as tarefas, sem acompanhá-las, e depois culpam a equipe pelo insucesso. Isso não é disciplina, é estupidez. Ou seja, o líder deve ter a frieza de um jogador de poker e saber trabalhar preventivamente.
Empregos.com.br – Prudência, precaução, organização, disciplina…essas características, apontadas por você no livro como essenciais para o bom planejamento e, conseqüentemente, bom resultado do projeto, podem ou não vir como bagagem em um profissional. Em caso negativo, como desenvolvê-las com sucesso?
Francisco Higa –
Dá para desenvolvê-las, mas a pessoa precisa apenas estar com vontade. As grandes experiências da vida mostram que, por exemplo, se eu estou bem na empresa, ninguém pode comigo. Só mudamos de atitude com a decepção. Minha orientação é não esperar que isso aconteça para fazer as mudanças necessárias. A pessoa deve estar sempre aberta, seja qual for a posição na empresa ou idade.
Empregos.com.br – Quem é o executivo high potential? Como lidar com ele para que a equipe alcance sucesso com os projetos?
Francisco Higa –
É aquele jovem gerente que teve rápida ascensão na carreira e não está acostumado a falhar. Geralmente é uma pessoa mais difícil de lidar, pois não é muito aberta à opinião dos outros. Isso varia de acordo com a bagagem da pessoa, claro. Paciência e humildade são, novamente, pontos fundamentais para que a equipe gere resultados positivos.
Empregos.com.br – É mais difícil lidar com este profissional ou com os mais velhos, que já têm a mentalidade um pouco mais enraizada?
Francisco Higa –
Os dois são difíceis. O high potential porque, como já falei, está acostumado com o êxito, muitas vezes só enxerga a vaidade. Já no caso do executivo mais experiente, também é complicado fazê-lo enxergar outros caminhos, mas depende da personalidade da pessoa. Em minhas palestras, utilizo o exemplo do copo de água. Vou enchendo até transbordar, as pessoas chegam a ficar assustadas. O que quero dizer com isso é que o copo, assim como a mente, precisa ser constantemente esvaziado para poder absorver novas informações.
Empregos.com.br -Muitos consultores afirmam que está ficando cada vez mais difícil fazer planos, por causa da dinamização do mercado, globalização, entre outros. Como lidar com essa dualidade?
Francisco Higa –
Realmente existe, e fora de nosso controle. O que sugiro é que você subtraia o que está no seu domínio, ou seja, aquilo que só depende de você para ser realizado. Fora da sua área de domínio, você deve saber influenciar as pessoas ao seu redor, buscar outras alternativas. Isso reduz a complexidade do projeto.
Empregos.com.br – Você diz no livro que, por ser uma pessoa extremamente disciplinada, alguns costumam chamar-lhe de inflexível. Como lidar com este rótulo sem atropelar o bom convívio social? Como adaptar as pessoas a esse estilo de comportamento?
Francisco Higa –
Sempre passo para as pessoas o lado positivo nisso tudo, a vantagem em ser competente. Esse é o resultado da disciplina. Podem reclamar do seu jeito de trabalhar, mas, quando você apresenta resultados concretos, as pessoas não têm argumento contestador. O resultado traz credibilidade. Compartilhar o êxito também é fundamental, é o prêmio pela dedicação. Disciplina é diferente de estupidez, é garantir o que foi combinado. O resultado é a chave de tudo.

Avalie:

Comentários 0 comentário

Os comentários estão desativados.