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A palestrante e colunista do Empregos.com.br mostra em seu novo livro, A vida não precisa ser tão complicada (Editora Gente), que a felicidade de uma pessoa depende de como ela deixa sua vida fluir. Com base nos estudos de Mihaly Csikszentmihalyi, professor de psicologia da Universidade de Chicago, Leila compara a vida com um gráfico cujo eixo vertical é o desafio e o horizontal, as habilidades. O fluir na vida pessoal e profissional de uma pessoa está, justamente, no alinhamento dos dois eixos. Na busca pela felicidade e satisfação pessoal, ela também desmonta alguns equívocos tidos no mundo moderno como sinônimos de prosperidade e faz uma crítica ao consumismo exacerbado, em que todos têm de “viver para ter”. Para a palestrante, nossos caminhos devem ser guiados pela real relevância que têm em nossas vidas – e não por atalhos instituídos pelos padrões da sociedade. “Nunca acho demais citar uma frase de Dom Juan Matus, xamã e mestre do antropólogo mexicano Carlos Castañeda, autor de vários livros: ‘Se neste caminho existe um coração, então vá em frente'”. Confira, a seguir, entrevista concedida por Leila ao Empregos.com.br.
Empregos.com.br – O que a motivou a escrever esse livro nesse momento?
Leila Navarro – No dia-a-dia, tenho contato com muita gente. Se eu somar as pessoas que vêm falar comigo antes ou depois das palestras e as que me mandam e-mail, devo falar com dezenas delas todo mês. E o que mais escuto são queixas de que as coisas não acontecem conforme elas desejam, por mais que se esforcem. O que dizem poderia ser resumido assim: “Me esforço para dar certo, mas minha vida não flui”. De tanto ouvir essas queixas, resolvi estudar a questão do “fluir da vida” a fundo.
Empregos – Por que tem tanta gente achando que a vida não flui, que as coisas não acontecem como deveriam acontecer?
Leila – Acho que é porque o mundo está cada vez mais complicado. Até duas ou três décadas atrás bastava escolher uma profissão, se capacitar para exercê-la, arrumar um trabalho e tocar a vida adiante. Hoje, o grau de exigência do mercado e da sociedade é muito mais elevado. Para ser “alguém que deu certo” é preciso atender uma infinidade de requisitos e ter um caminhão de competências. Conquistar isso tudo é difícil, é para poucos. É como tentar surfar num mar em dia de ressaca. Mal dá para se manter sobre a prancha, quanto mais fluir com as ondas!
Empregos – Qual o caminho que essas pessoas devem buscar para conseguir dar uma virada na vida e resolver as questões que estão lhe incomodando?
Leila – Acho que todos nós temos de parar para refletir: que ondas estou pegando? A onda do poder de consumo? A onda do que os outros vão pensar? A onda de provar o nosso valor para o mundo? O que realmente incomoda as pessoas, bem no seu íntimo, é a sensação de vazio, de não estar chegando a lugar nenhum com essas ondas que todo mundo segue. Mas se perseguirem a onda do que as apaixona ou do que é relevante para elas, estarão cumprindo o seu propósito de vida. E quando se segue o propósito, a vida flui.
Empregos – Não é estranho que pessoas que fazem tudo certinho em suas vidas não consigam atingir o seu objetivo e ser feliz, ao passo que pessoas que levam a vida de forma desorganizada/desprendida parecem ter a vida sob seu controle? Qual é o segredo para ser feliz então? Seria não levar a vida tão a sério?
Leila – Depende do que você se entende por “fazer tudo certinho” e “levar a vida de forma desorganizada”. Se fazer tudo certinho é seguir a cartilha do profissional de sucesso, virar commodity e esperar ganhar o seu primeiro milhão de reais até os 40 anos, você provavelmente estará seguindo as ondas dos outros. Mesmo que consiga tudo isso, poderá sentir-se prisioneiro de um padrão de vida que lhe custa muito manter e questionar se tudo realmente tem valido a pena. Se “levar a vida de forma desorganizada” é seguir um propósito, aproveitando as oportunidades que aparecem, adaptando-se às circunstâncias e às pessoas e tirando o melhor que a vida oferece, então, realmente, acho que os “desorganizados” são mais felizes. Mas viver assim não é desorganização: é sabedoria. E quem tem essa sabedoria entende que não pode controlar a vida, mas fluir com ela.
Empregos – Hoje em dia vivemos numa sociedade maluca que cobra muito o sucesso a qualquer custo. Quando as pessoas buscam desenfreadamente esse sucesso, principalmente o profissional – que significa ganhar dinheiro e ter status -, mas não conseguem atingi-lo, acabam muitas vezes em depressão. Há uma forma de equilibrar isso?
Leila – A depressão, a sensação de vazio e de incompetência só acontecem porque a pessoa se compara com os padrões de sucesso da sociedade. Quer dizer, usa referências externas para medir seu próprio valor. Mas se ela buscar aquilo que lhe traz satisfação, o que é uma referência interior, não haverá espaço para depressão.
Empregos – No seu livro você apresenta o estudo do “fluir”. Como funciona?
Leila – O estudo que cito no livro é o de um professor de psicologia da Universidade de Chicago, Mihaly Csikszentmihalyi. Ele diz que a vida é como um gráfico cujo eixo vertical é o desafio, e o eixo horizontal, as habilidades. Quando há equilíbrio entre as forças dos dois eixos, a vida flui. Se uma pessoa escolhe um desafio muito alto, mas não tem habilidade suficiente para encará-lo, desenvolve um quadro de ansiedade; se tem muitas habilidades, mas não se sente motivada por um desafio instigante, torna-se apática e desanimada. A receita do fluir, aí, é bem clara: escolher um desafio que apaixone e que esteja à altura de suas habilidades. E se lhe faltam habilidades, desenvolvê-las.
Empregos – Em seu livro você comenta que há três equívocos cometidos pelas pessoas na hora de auto-avaliar a vida e saber se ela flui. O primeiro é achar que a vida só flui quando se tem progresso material. O segundo quando se tem competência e o terceiro é condicionar a fluidez a uma coisa chamada “destino”. Afinal, como devemos fazer para que a nossa vida flua efetivamente?
Leila – Acredito que, para que a vida flua, temos de saber quem somos, onde estamos e para onde vamos. Isso tem tudo a ver com o que eu já disse sobre saber que ondas estamos pegando. Precisamos também entender que, de um jeito ou de outro, a vida jamais deixa de fluir, e que o segredo é nos deixar levar por ela, aproveitando ao máximo cada onda.
Empregos – No seu livro você apresenta uma forma de encarar um pouco melhor o cenário do mercado de trabalho competitivo e apresenta uma sensível diferença entre competir e concorrer. Explique melhor como aplicar isso no dia a dia?
Leila – Competir é lutar para ser melhor que o outro, acreditando que só o mais forte, competente ou bem preparado pode vencer. Já concorrer é “correr com”, correr junto. É ter consciência de que no mar há muitas ondas que vão na mesma direção: que cada um, então, pegue a sua. Se entendermos que somos únicos, entenderemos também que as oportunidades da vida de cada um são únicas. Assim como há momentos em que uma oportunidade aparece para você, há momentos em que é o seu concorrente que tem a dele. Você tem os seus resultados, o concorrente tem os dele. Em vista disso, se as pessoas procurassem “correr junto”, não precisariam ficar se comparando o tempo todo e não teriam a sensação de que a vida não flui. Ter a postura de concorrer em vez de competir pode fazer toda diferença na vida de alguém.
Empregos – Como palestrante motivacional, você não sugere no livro que as pessoas não lancem desafios em sua vida ou não busquem o êxito, ou o sucesso profissional. O que você propõe de fato?
Leila – Veja bem, não estou propondo a renúncia a uma vida confortável, liberdade financeira e sucesso profissional. Continuo incentivando as pessoas a acreditarem que podem e merecem conquistar as coisas boas da vida, pois isso também faz parte da felicidade. O problema é se orientar para a obtenção de poder e status, deixando de lado a satisfação com o que se faz, a qualidade de vida, a qualidade dos relacionamentos, a saúde, a busca de um mundo melhor. Fluir é viver por inteiro.
Empregos – O que você tem a dizer para as pessoas que estão inseridas no mundo competitivo, com foco no desempenho na carreira e simplesmente esquecem os outros aspectos da vida como o pessoal?
Leila – Que viver assim é como surfar com um pé só e não usar os braços para se equilibrar. Neste mundo em que o desempenho na carreira é tão valorizado, as pessoas se apóiam no aspecto profissional e se esquecem que os outros também são importantes para mantê-las sobre a prancha. Viver assim requer muito esforço. Não é à toa que muitas pessoas chegam a um ponto em que se desequilibram e caem – adoecem, estressam, se separam, perdem os amigos.
Empregos – O que você tem a dizer para as pessoas que já são bem sucedidas profissionalmente, mas têm problemas afetivos porque se dedicam mais ao networking do que aos amigos e acabam com problemas de saúde e estresse? O que fazer para reverter esse quadro?
Leila – O que tenho a dizer só fará sentido a quem está nessa situação e se incomoda com ela, porque tem muita gente nesse mundo que só percebe ter poder, prestígio e dinheiro no bolso, mas ignora o fato de ser mal-amada, estressada e solitária. Acho que é o caso de a pessoa se questionar honestamente se está satisfeita com a vida que leva e o que lhe falta, para então dar atenção ao que falta. Então, para alguém assim, viver por inteiro significa passar necessariamente por uma reciclagem de valores, em que o que foi prioridade até então cede lugar a outras prioridades.
Empregos – Quais os resultados que a prática do auto-questionamento pode trazer para as nossa vidas?
Leila – O auto-questionamento nos obriga a voltar a atenção para nós mesmos. É um recurso fundamental para quem deseja se conhecer melhor e progredir no desenvolvimento pessoal. Para colocá-lo em prática, basta que façamos perguntas a nós mesmos: “O que eu quero? O que não quero? O que me incomoda? O que me dá satisfação? Como está meu equilíbrio? Que ondas estou pegando?”. Não há limites para as perguntas. Elas são capazes de nos tirar do piloto automático, de reações e comportamentos condicionados, e nos tornar mais conscientes de nós mesmos.
Empregos – Como fazer para nos ouvirmos mais?
Leila – O que eu chamo de “se ouvir mais” é prestar atenção ao que andamos dizendo de nós mesmos. Muitos dizem coisas como “nada dá certo para mim”, “o mercado está em crise”, “ninguém me leva a sério”, enfim, frases que refletem seu interior. E o que existe em seu interior? Autocensura, medos, dúvidas, desmerecimento, crenças limitantes? É fundamental termos consciência disso, pois há uma relação direta entre o conceito que fazemos de nós mesmos e a maneira como nossa vida flui. Por isso recomendo que as pessoas prestem atenção ao que falam de si mesmas para os outros e procurem ouvir seus próprios pensamentos. Digo que quando estiverem sozinhas, no trânsito, em casa ou em uma caminhada pela praça, falem tudo que estão pensando, sem medo de parecerem doidas porque há muita gente que faz igual. Falar para nós mesmo é uma ótima maneira de tomar consciência dos pensamentos negativos e limitantes que passam pela nossa cabeça.
Empregos – Como trocar auto-sugestões negativas por positivas para enviar comandos ao cérebro e mudar o jeito de ver as coisas e viver a vida?
Leila – Segundo a neurociência, nosso cérebro assimila tudo o que repetimos sistematicamente, seja certo ou errado, positivo ou negativo. Se dissermos coisas positivas, como quem só espera o melhor da vida, das pessoas e de nós mesmos, acabamos criando um posicionamento e uma conduta positiva ao longo do tempo. Sempre digo às pessoas que escrevam sugestões positivas em pedaços de papel e os coloquem em lugares de sua rotina como o espelho do banheiro, o guarda-roupa, o painel do carro e por aí afora. Essa é uma maneira de acostumar-se a ter bons pensamentos. O interessante é que, quanto mais nos acostumamos a pensar positivamente, mais percebemos o que está de acordo com nossos pensamentos e nos tornamos pessoas otimistas, capazes de ver o lado bom da vida. Nossos olhos, cada vez mais, começam a perceber oportunidades de felicidade, prosperidade, bem-estar e realização.
Empregos – Como devemos fazer para identificar potenciais medos que impedem nossa vida de fluir?
Leila – É muito fácil identificar nossos medos, pois eles causam uma reação física – tremor, aperto no estômago, suor. O difícil é admitir que temos medo, já que procuramos a todo custo ocultar nossas fraquezas e inseguranças, até de nós mesmos. Mas o que ganhamos tentando nos enganar? Se não reconhecemos nossos medos, não podemos enfrentá-los. Se não os enfrentamos, continuamos limitados por eles. Assim, o que eu sugiro é que, ao ter uma dessas sensações físicas, perguntemos a nós mesmos: estou com medo de quê? Em meu livro, ensino as pessoas a fazer um questionamento para determinar as causas de seus medos e dou algumas sugestões para lidar com eles.
Empregos – Como vencer o medo do fracasso? E como vencer a acomodação que nos impede de tentar alternativas?
Leila – Por trás do medo do fracasso e da acomodação está o medo de errar, que nos levaria a ser reprovados, ridicularizados ou menosprezados. E, para o nosso ego, isso é pior que a morte! Mas esse medo só existe porque achamos que podemos ser perfeitos. Agora, é muita pretensão achar que podemos ser perfeitos e dispensar o erro como instrumento de aprendizado, não? Minha sugestão é que as pessoas deixem de lado o orgulho e façam o que lhes dá medo, sem vergonha de perguntar o que não sabem, nem de pedir ajuda, ou mais tempo, ou seja, o que for.
Empregos – Para resolver nossos problemas você sugere o distanciamento mental para enxergar melhor os fatos e, conseqüentemente, a solução? Como praticar esse distanciamento mental?
Leila – Distanciar-se é parar de brigar com o problema. É fazer de conta que ele não é seu e ser capaz de olhá-lo como quem observa um filme, para ampliar o foco de percepção. Se o carro quebra logo de manhã, na saída para o trabalho, e você perde tempo em reclamar da má sorte e xingar o carro quebrado, fica envolvido com o problema e não cria condições para resolvê-lo. Porém, se você se distancia da situação, percebe que o problema não é fazer o carro andar, mas chegar no horário ao trabalho. Então poderia pensar em tomar um táxi, pedir a alguém de casa que o leve ao trabalho ou ligar para o escritório. Note que é tudo uma questão de percepção, de “como se olha” para o problema. Se você só o focaliza, só enxerga ele. Mas, se dá um passo atrás e abre o foco com a intenção de ver mais, abre-se para enxergar mais – e a solução aparece.

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