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Por Gisèle de Oliveira
A Engenharia sempre esteve entre as profissões mais respeitadas, ter um filho engenheiro rivalizava com o sonho de ser pai de um médico ou advogado. Profissão que viveu seu auge durante o Regime Militar, com as obras de infra-estrutura do próprio governo, ela também teve seus percalços na década de 1990.
Passados alguns anos, a Engenharia surge forte novamente no mercado de trabalho. Para o professor Francisco Paletta, diretor das Faculdades de Engenharia e Computação e Informática da FAAP, a valorização da Engenharia e da inovação tecnológica é fator indispensável à economia nacional e desempenha um papel fundamental na disputa de melhores posições nos desafiadores mercados globais. Confira abaixo, na entrevista concedida ao Empregos.com.br , a opinião do professor Paletta a respeito dessa nova Engenharia e desse novo profissional, que agora precisa ter outras habilidades além de ser bom com números.
Empregos.com.br – Como está o cenário nacional para a Engenharia?
Francisco Paletta – O cenário é muito interessante. A Engenharia brasileira passa por um momento, em minha opinião, muito fértil. Nos anos 1990, a Engenharia enfrentou dificuldades e passou a ser vista como se fosse a área menos fértil para o mercado de trabalho. Ela veio de todas as crises, a mudança do Regime Militar – época em que o Brasil crescia nas mesmas taxas que a gente vê hoje a China e a Índia crescerem. Nós crescíamos 7%, 9% ao ano. Naquela época nós tivemos uma explosão da Engenharia com as obras, produzidas pelo próprio Regime Militar, de infra-estrutura que o Brasil necessitava. Com o fim do Regime houve um período de grande baixa da Engenharia e de seus profissionais, mercado de trabalho, salário. Então, o jovem começou a se afastar naturalmente da Engenharia e buscar profissões que tinham um apelo mercadológico muito mais forte. Hoje, cursos como Relações Internacionais, Publicidade e Propaganda, Marketing, Administração estão tendo uma explosão de procura, enquanto as áreas de Tecnologia são muito mais estáveis do ponto de vista de atrair o jovem. A procura se torna pequena e isso também está associado à dificuldade que esse jovem tem de se colocar no mercado de trabalho. A colocação do jovem engenheiro no mercado de trabalho nos últimos dez anos era um processo muito difícil e, após inserido no mercado de trabalho, existia um problema com a remuneração, que não era adequada ao investimento feito por ele. Isso levou a Engenharia a ser uma profissão em baixa. Porém, se nós observarmos o que está acontecendo, as tendências da Engenharia, ainda mais com o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), que é baseado principalmente em infra-estrutura, vários projetos vão efetivamente revitalizar não só a infra-estrutura brasileira, assim como do ponto de vista do conhecimento. Várias profissões que no passado estavam em segundo plano hoje voltam a ser relevantes, de grandes oportunidades e nós temos uma demanda enorme voltada para a Engenharia. Aqui na FAAP, cerca de 80% dos nossos alunos de quarto e quinto anos estão trabalhando, estão no mercado de trabalho. Apesar de serem estagiários, já estão na construção civil, tocando obras, tendo uma uma atuação muito ativa dentro do setor em que atuam.
Empregos.com.br – Então o mercado está se abrindo novamente para a Engenharia? Como fica esse profissional com a globalização?
Paletta – O fenômeno da globalização é um fenômeno que se iniciou lá atrás, na década de 70, mas eu vejo um movimento interessante na globalização do emprego. Isso significa que um engenheiro mecânico, que está trabalhando para uma indústria automobilística aqui no Brasil, pode participar de um projeto global, um projeto que está em qualquer parte do mundo, é um carro mundial, um lançamento mundial de uma montadora. Ele está envolvido no desenvolvimento de um motor agora, nos processos do bicombustível, e é um projeto que não vai ser só para a indústria automobilística brasileira, mas para a indústria desta empresa aonde quer que ela atue mundialmente. Outro exemplo, a construção civil brasileira é muito evoluída, nós temos uma tecnologia, um domínio da construção civil que nos colocam em total igualdade com qualquer país desenvolvido do mundo, as obras brasileiras são obras de grande porte. A gente pode pegar o projeto do Rodoanel, não tem na América Latina um projeto de grande impacto ambiental tão complexo como este. Construir um Rodoanel em torno de uma megalópole como São Paulo é uma obra maravilhosa da Engenharia. Temos presença da indústria civil brasileira no Oriente Médio, no continente africano, na Europa. Nós temos uma Engenharia Civil altamente bem recebida no exterior. Isso é muito importante para o engenheiro, para o jovem que trabalha em uma empresa de construção civil, é uma oportunidade muito interessante que abre espaço na chamada globalização. Recentemente no caderno de empregos de um jornal, havia um anúncio para engenheiro global. Foi a primeira vez que eu vi um anúncio, neste caso era da Gerdau, solicitando um engenheiro global.  
Empregos.com.br – O que é um engenheiro global?
Paletta – O engenheiro civil, mecânico, elétrico, químico, metalurgista, de alimentos, todos eles podem ser um engenheiro global. Engenheiro global é um conceito, na verdade, que vem por trás do papel desse profissional dentro da indústria. É um profissional que precisa saber lidar com multiculturas, ele precisa saber lidar com diversidade, porque ele pode ser um engenheiro de projetos, trabalhar em um projeto que reúne um engenheiro da Coréia, um engenheiro de Cingapura, um engenheiro do Egito, um engenheiro da França, etc. Este grupo é multicultural, com línguas e tecnologias diferentes. Eles vêm de formações distintas em seus países de origem, trazem consigo um background educacional diferenciado e vão trabalhar juntos na condução de um projeto. Então, a globalização do emprego, a busca de um engenheiro global está em todos os setores, está na siderurgia, por exemplo, com a Vale do Rio Doce, a empresa brasileira que tem o maior destaque nesse setor. Por meio da Vale nós nos tornamos uma operação global
Empregos.com.br – A própria empresa tem que saber lidar com essa nova situação, já que outras oportunidades estão surgindo para o País.
Paletta – A Vale vai lidar com a diversidade de contratação de recursos humanos. Ela tem o desafio na área tecnológica de contratar o perfil certo, para que esse engenheiro possa trabalhar onde está a área de expansão da Vale, em qualquer parte do mundo. O País também vive um momento muito positivo, pois lidera uma tecnologia na área da inovação, é a primeira vez que a inovação tecnológica brasileira, por meio do etanol, projeta o Brasil a uma liderança tecnológica. Nós, até então, nunca ocupamos esta posição de liderar tecnologicamente uma determinada área. Temos um momento muito promissor dentro desse espectro e nós queremos criar aqui na FAAP um curso de Engenharia Química para 2008, que tenha o foco em energia e sustentabilidade. Quando eu me formei em Engenharia, há 20 anos, se falava já em aquecimento global, o fenômeno de aquecimento das calotas, mas ele não tinha esse viés alarmista que nós temos agora. Mas a minha geração de engenheiros teve de lidar com outras dificuldades, a de um País obsoletado, por exemplo, pela reserva de mercado da lei de informática, por uma dificuldade enorme de acesso às tecnologias de ponta. O jovem que se forma hoje tem que lidar com o problema da matriz energética, que é muito complexo, quais serão as opções que vamos ter do ponto de vista de energia. A Engenharia de hoje terá que construir as questões de sustentabilidade desse planeta, as gerações de engenheiros que estamos formando vão ter que lidar com o aquecimento global. Acredito que encontraremos, como a humanidade sempre encontrou, as formas de continuar a sobreviver a todas as intempéries que o planeta nos oferece. E só quem pode apresentar essas soluções é a Engenharia, esse problema não será resolvido por um advogado, por um jornalista, por um médico, por um tecnólogo, a solução desse problema vai passar pela Engenharia e ela novamente aparece como sendo um elemento muito importante da estratégia de sustentabilidade.
Empregos.com.br – O Brasil está gerando essa massa pensante que será necessária?
Paletta – Nós temos alguns desafios, o Brasil forma algo em torno de 20 mil engenheiros por ano, a China forma 350 mil, bom a China tem um bilhão de pessoas, a Índia também forma 150 mil e os engenheiros da Índia não ficam na Índia, eles se formam e de lá vão para o mundo. Eu acredito que em pouco tempo nós teremos no Brasil uma explosão de profissionais que virão de outros países, porque não produzimos essa propriedade intelectual lá atrás para suprir uma demanda que deve acontecer nos próximos dez anos.
Empregos.com.br – Qual é o perfil desse profissional que vai voltar a ter essa importância? O que o mercado está procurando?
Paletta – Foi isso que orientou o nosso trabalho na FAAP, de reconstruir o projeto de Engenharia. Queremos formar um engenheiro com uma visão global, um engenheiro multidisciplinar. Na década de 1970, um engenheiro até chegar à liderança tinha que ter dez, 15 anos de formado. Hoje, esse ciclo é muito mais rápido, isso faz com que o estudante se forme e entre no mercado de trabalho muito jovem. Então, se ele se formou com 22 anos, com 32 ele já tem 10 anos de experiência, é muito tempo já de consolidação e esse profissional já está preparado, aos 32 anos e não mais aos 50, para assumir uma posição de comando. Por isso essa formação humanística tem por objetivo estudar a diversidade, os aspectos de gestão, tópicos de liderança, planejamento estratégico, gestão de projetos. São áreas que a Engenharia no passado não abordava, era muito rígida, e preparar o engenheiro com essas características é torná-lo capaz de comandar. É preciso prepará-lo para lidar com toda a cadeia produtiva que você tem do ponto de vista dos recursos humanos. Então, um engenheiro precisa entender de recursos humanos, precisa entender de estudos de habilidade econômica, de marketing, de estratégia, ele precisa entender de liderança, são disciplinas que a engenharia precisa. Atualmente, a diferença não é mais tecnológica, ela está na propriedade intelectual que a empresa pode reter dentro da sua estrutura. Nós, na universidade, na escola, formamos o principal insumo que a indústria precisa que é a propriedade intelectual.
Empregos.com.br – Como formar esse profissional?
Paletta – O diferencial do nosso curso está no fato de ele se apoiar em três pilares: o primeiro, uma sólida formação tecnológica; segundo, uma visão humanista que permita a esse profissional gerenciar e produzir riqueza a partir do conhecimento tecnológico; e o terceiro pilar é o do empreendedorismo tecnológico. Nós queremos formar líderes na área de tecnologia, profissionais que serão capazes de transformar o conhecimento em tecnologia e essa tecnologia efetivamente produzirá riqueza, o empreendedorismo tecnológico. Nós chamamos o projeto de engenheiro empreendedor, ele tem por objetivo, desde o primeiro ano, permitir ao aluno desenvolver um plano de negócios, um projeto tecnicamente e economicamente viável para que ele possa implementar isso durante os anos na faculdade. Essa foi a primeira grande inovação que nós trouxemos a partir de 2007. Estamos montando a primeira turma e é muito difícil quebrar paradigmas. Mas isso trouxe um grande ganho para o curso, porque ele acaba forçando e induzindo alunos e professores a trabalharem na fronteira da tecnologia que é onde nós queremos levar nossos alunos, que eles possam estar na fronteira tecnológica. Outra iniciativa é a internacionalização do curso, nós estamos em um processo para definir acordos bilaterais com escolas ao redor do mundo, são 22 escolas, no Canadá, Estados Unidos, México, Irlanda, França, Inglaterra, Itália, Portugal, Espanha, Japão e Austrália. Qual é o objetivo disso? Primeiro, há uma riqueza enorme, o jovem volta amadurecido, com uma visão muito mais multicultural. Isso amplia e desenvolve o lado humanístico. Ele estará trabalhando num projeto e vai ter que lidar com um profissional egípcio, libanês, norte-americano, venezuelano, argentino. Esse não é um processo fácil e a Engenharia tradicional não está preparada para isso. Esse processo de internacionalização também vai quebrar a barreira de línguas, que é um fator importantíssimo na construção.
Empregos.com.br – Como outras instituições estão percebendo essas mudanças? O estudante de uma escola que não tem os recursos que tem uma FAAP pode ficar para trás? O que é possível fazer?
Paletta – Bom, aí nós passamos por um processo muito complexo que é a reforma do ensino brasileiro, nós na FAAP pudemos criar um projeto desta magnitude por termos uma autonomia que você não encontra, por exemplo, dentro de uma escola pública. Nós temos a flexibilidade de poder mudar um programa sem todas essas regras regimentais que existem dentro de uma escola pública. Para você mudar um programa de cálculo, por exemplo, em uma universidade pública é uma loucura, um processo muito traumático. A Engenharia no Brasil precisa ser redesenhada, ela tem que entrar em discussão, porque se ela não for por esse caminho da modernização, da aproximação com a indústria, saber o perfil do profissional que o mercado está precisando, vai acabar perdendo uma grande oportunidade. Quando pensamos nas escolas públicas e na dificuldade que elas têm para poder mudar o seu projeto pedagógico, poder mudar o seu currículo e vencer as barreiras e as dificuldades que existem dentro de um programa educacional que precisa ser redesenhado, enquanto nós estivermos debaixo de um projeto que foi construído na década de 60 ou 50, você tem uma Engenharia ainda em defasagem com a realidade da indústria. É preciso que a escola, que a educação no Brasil tenha uma visão mais pragmática, menos coorporativa e que ela possa efetivamente cumprir o seu papel. O papel da educação que agente quer construir aqui, o papel da Engenharia é preparar profissionais que possam aproveitar as oportunidades que o mercado apresenta. Por exemplo, a Petrobrás vai precisar contratar nos próximos quatro anos 20 mil engenheiros. Está aflorando o mercado de trabalho para esses profissionais e isso vai trazendo um novo momento para a Engenharia. A profissão que foi renegada nos anos 90 volta a brilhar, o País tem profissionais para atender a tanta demanda? Não, nós não temos esse número de profissionais para atender.
Empregos.com.br – Como o jovem que faz um curso de Engenharia tradicional, sem ser voltado à essa formação mais humanista, pode compensar essa deficiência? Paletta – Eu aprendi que entre ser o pior aluno da melhor escola e o melhor aluno da pior escola, sempre o melhor aluno é a melhor opção. Então, dentro dos limites da escola em que você está, é preciso que o jovem tenha maturidade para entender quais são os limites, porque os limites estão ali, ele precisa se “plugar”, saber para onde o mundo está caminhando, saber o que não está capturando dessa mudança, o que está acontecendo e como é que eu faço para repor isso. Existem oportunidades para se atualizar. Quando era aluno fiz 22 cursos extra-curriculares, eu era o maior fazedor de cursos. Então, todas as férias, todas as semanas de saco cheio, todos os possíveis momentos de relaxamento, eu aproveitava para me aperfeiçoar. Eu tinha um projeto de cinco anos e sabia que ele ia acabar em cinco anos, e fiz 22 cursos extra-curriculares enquanto isso. Esses cursos a própria faculdade oferecia. Uma vez fui chamado para uma vaga, estava no segundo ano indo para o terceiro, porque tinha feito um curso de instalações elétricas e equipamentos e esse engenheiro precisava de um jovem que entendesse daquilo. Esse foi um curso extra-curricular de 20 horas que eu tinha feito na Semana Santa, sacrifiquei a semana do saco cheio para poder me dedicar e fazer um curso extra-curricular. O jovem precisa estar atento a isso tudo, saber o que está acontecendo. Independentemente da área dele, ele tem que entender, olhar o instituto de Engenharia, olhar o CREA, as entidades de classe, o SEBRAE, ele precisa do seu tempo, ele precisa dedicar uma parte dele para uma atualização. E tem muita coisa boa que é de graça. O jovem que estuda hoje e faz Engenharia precisa encontrar os caminhos em que vai complementar a sua formação, seu curso não será suficiente para mantê-lo competitivo, ele vai ter que ir além daquele aspecto, daquela formação que a escola traz para ele. Ele vai ter que encontrar caminhos e existem aqueles que requerem investimento, mas todos os organismos que são responsáveis pela área de tecnologia promovem uma série de palestras, workshops e seminários que ajudam esse jovem a se atualizar gratuitamente, mas ele vai precisar investir tempo, talvez abrir mão da balada.
Empregos.com.br – Mas esse é um sacrifício que pode valer a pena.
Paletta – Vale a pena sim, porque a Engenharia brasileira, frente a todas as nossas adversidades, é muito competente, nós dominamos o processo de prospecção de petróleo em águas profundas com a Petrobras, dominamos a tecnologia de fabricação de álcool combustível, lideramos esse processo e temos pela primeira vez a liderança tecnológica. A construção civil no Brasil é altamente sofisticada, não existe na América Latina uma construção com impacto ambiental maior que o Rodoanel. E como falei anteriormente, esse é um mercado que está se abrindo novamente para esse profissional que souber aproveitar tais oportunidades e se preparar para elas.

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