Carreiras | Empregos

por Camila Micheletti
Atire a primeira pedra quem nunca disse que precisava de mais tempo para realizar suas atividades. Mas é aí que você se engana: o tempo é a coisa mais democrática que existe – todos, eu, você e o Presidente da República temos as mesmas 24 horas-, mas ao mesmo tempo é um dos ativos mais raros hoje em dia. Segundo o sociólogo, professor de Sociologia do Trabalho e Diretor da Faculdade da Ciência de Comunicação da Universidade “La Sapienza”, de Roma, na Itália, Domenico de Masi, o problema é que, com a evolução do trabalho, a chegada da Sociedade Pós-Industrial e o aumento da expectativa de vida, o profissional passou a ter mais tempo livre, mas ainda não sabe o que fazer com ele. E o tempo dedicado ao trabalho, normalmente, não é utilizado como fonte de prazer e diversão, o que só deixa os profissionais mais insatisfeitos, infelizes e muitas vezes até doentes. “O tempo é um bem muito precioso porque vivemos esta vida apenas uma vez – portanto não deve ser disperdiçado”.
E a sensação de que se tem menos tempo que as gerações anteriores, segundo Domenico, é ilusória. Ele afirma que hoje temos à disposição uma variedade de máquinas e equipamentos que nos ajudam a enriquecer o tempo, como agendas, computadores e telefones. Mas, mesmo assim, sempre que conseguimos um pequeno espaço na agenda, ele já é utilizado com outras atividades.
Mas se a rotina diária nos sufoca e o tempo parece ser cada vez mais curto, como conseguir atingir o famoso ócio criativo, teoria criada por de Masi que une o estudo, o trabalho e a diversão em um modo contemporâneo? Primeiramente, sendo um apaixonado pelo seu trabalho e fazendo algo que seja fonte de satisfação pessoal e profissional. Segundo ele, o modelo latino de gerir o tempo é o que mais proporciona o ócio criativo, já que “valoriza a agradável tarefa de substituir o tempo definido pelo tempo escolhido e reorganizar os lugares de nossas atividades, de tal forma que trabalho, estudo e diversão sejam uma síntese equilibrada e feliz. Nos países latinos, mais que em quaisquer outros, mantiveram-se a arte do ócio criativo”.
Mas o país que soube exercitar o ócio criativo em sua essência mais pura foi a Grécia. O sociólogo aponta que o país tinha 40 mil habitantes e cerca de 80 grandes gênios, como Sócrates, Platão, Aristóteles… Isto era possível porque, na época, eles tinham muitos escravos à disposição, cerca de 8 por pessoa. Você pode se perguntar: então como podemos exercitar o ócio criativo nos dias atuais, sem escravos? Acontece que hoje a força braçal foi substituída pela tecnologia, pelos equipamentos eletrônicos e eletrodomésticos. Segundo de Masi, a força e usabilidade desses aparelhos hoje equivale ao trabalho de 33 escravos. Pois é, agradeça aos céus toda vez que você for usar o espremedor de frutas, fazer uma pipoca no microondas ou passar o aspirador de pó. Eles merecem!
Tempo livre, aposentadoria e criatividade
Mas os executivos, por sua vez, por não saberem o que fazer com o seu tempo livre, preferem passar mais tempo no escritório. Segundo Domenico, um jovem de 20 anos, supondo que viva por mais 60 anos, tem pela frente 530 mil horas de vida. Se ele se tornar um executivo que trabalha até 2.000 horas de trabalho por ano, o que deixa 430 mil horas livres. Tirando 220 mil horas que são usadas para a higiene pessoal, cuidados com o corpo e o sono, etc, sobram 230 mil horas para você fazer o que tiver vontade. “Com a Sociedade Pós-Industrial o trabalho se tornou intelectual, então o próprio conceito de diversão se modificou, porque você sai do trabalho, mas leva consigo o seu trabalho (os projetos que tem em mente, as idéias, tudo que está dentro do seu cérebro). Hoje, atividades como ir ao cinema, fazer uma viagem, é difícil você distingüir o que faz por obrigação e o que faz porque gosta realmente”.
Na realidade, o trabalho intelectual dispensa inclusive a necessidade do escritório, já que você precisa de um ambiente propício para a inovação, a criatividade, o surgimento de novos projetos. “Por que ir ao escritório se posso fazer em casa? A grande maioria dos executivos poderia ir ao escritório apenas uma vez por semana. Essa exigência de ter que comparecer todos os dias à empresa é lembrança da Sociedade Industrial”. Como a criatividade requer o culto ao ócio, e cada vez menos os executivos dedicam um tempo a si mesmos, há nos dias atuais uma carência de criatividade nas empresas. “Não existe fórmula para criar. Posso ter duas idéias incríveis numa manhã, e depois passar uma semana sem criar”, considera o sociólogo.
A criatividade pode ser dividida em duas áreas: a Criatividade Artística e a Científica. A primeira é aquela relacionada às atividades culturais, como moda, artesanato, pintura, escultura, etc. Pode ser realizada sem muito custo. O melhor exemplo de lugar que cultiva esse tipo de criatividade, segundo de Masi, é a Bahia. Já a criatividade científica exige um alto investimento e esforços de grandes grupos, e refere-se às descobertas em laboratórios e pesquisas. Para Domenico, os maiores inimigos da criatividade são os burocratas. “Eles ficam felizes quando podem dizer ‘Infelizmente acabou o prazo'”, brinca ele.
Quando chega a hora do profissional se aposentar, ele enfrenta outro problema: o que fazer agora, que não sirvo mais para trabalhar, mas ainda tenho saúde e sinto que posso produzir? Segundo Domenico, esta questão é uma grande falha da organização do trabalho, que não soube se atualizar através dos tempos. “Com o aumento da expectativa de vida, as pessoas passaram a viver muito mais do que antes, mas as regras da aposentadoria continuaram as mesmas da Sociedade Industrial. A aposentadoria deveria acontecer aos 80 anos, e não aos 60. Você sai do seu trabalho justamente na fase que adquiriu mais cultura e experiência, e é levado para uma vida vazia, sem objetivos”. É o que ele chama de ‘cultural gap’.
Domenico estava muito a vontade na palestra que proferiu para o público da Career Fair. Só se sentiria melhor se estivesse deitado, segundo ele. “A rede é o mais lindo símbolo do ócio criativo”, afirmou, fazendo uma alusão não às redes da Internet, mas ao artefato utilizado muito no Nordeste brasileiro para descansar, ler, dormir e amar.

Avalie:

Comentários 0 comentário

Os comentários estão desativados.