Carreiras | Empregos

por Camila Micheletti
Iridizon M. Silva tem 48 anos e uma saúde invejável. Responsável pela administração dos 700 colaboradores da Canbrás, operadora de TV por assinatura a cabo, a diretora da recursos humanos hoje preza a qualidade de vida, mas nem sempre foi assim. Ex-workaholic assumida, Iridizon confessa: “Muitas vezes saía do escritório nove, dez horas da noite. Não entendia que minha vida estava passando e eu só via o trabalho. Tive um estalo quando perdi um familiar muito próximo, e percebi que não havia passado tanto tempo com essa pessoa quanto eu gostaria. Desde então eu passei a ver a vida de uma outra forma, e a equilibrar meus papéis como profissional e como pessoa. Ainda tenho alguns picos de trabalho, claro, mas passei a trabalhar de forma mais objetiva nestas horas, tentando otimizar o trabalho ao máximo”, explica a profissional.
Na opinião de Iridizon, o mercado já valorizou muito o perfil profissional do workaholic. “Varia muito de empresa para empresa, mas hoje este conceito de trabalhar além da conta está totalmente out, a tendência é que cada vez mais todos se mobilizem em prol da qualidade de vida, sem abdicar da lucratividade e competitividade. Mesmo porque, não é o horário que valoriza se alguém é bom profissional ou não, pelo contrário”, afirma ela.
Exemplos como o de Iridizon são muito comuns no mundo corporativo, embora poucos assumam publicamente que são ou foram adeptos do trabalho compulsivo, ou seja, workaholics. Para a psicóloga, coordenadora da área de RH da FEA/USP e doGVQT – Projeto Gestão de Qualidade de Vida no Trabalho, Dra. Ana Cristina Limongi França, as empresas têm hoje uma visão mais crítica do profissional workaholic. “Antes, era esperado que o profissional ficasse mais tempo na empresa e fosse louco por trabalho, era sinal de eficiência. Mas de uns tempos para cá profissionais e organizações passaram a ver esta questão de outra forma, e o workaholic pode ser visto até como alguém improdutivo, que não sabe se organizar nas oito horas diárias e precisa ficar mais tempo na empresa ou mesmo levar trabalho para casa”, afirma ela.
Comportamento compulsivo X vida saudável
Trabalhar compulsivamente é uma doença? Na verdade, o workaholic em um estágio avançado tem um comportamento compulsivo e atua como a pessoa que compra (shopholic), faz exercícios (vigorexia) ou come de maneira exagerada e fora do comum. “São pessoas que usam o trabalho como forma de aliviar frustrações em outros campos da vida, seja no aspecto social, familiar ou até sexual. O indivíduo entra numa situação sem saída, já que para ele o trabalho é a única coisa que importa no momento. Ele chega até a perder a identidade, não consegue se imaginar sem o trabalho”, analisa a Dra. Ana.
Além da dificuldade em se relacionar com pessoas e da dependência que estabelece com o trabalho, o workaholic apresenta sintomas físicos como stress, insônia e falta ou excesso de apetite. “Este problema do mundo moderno adquiriu uma esfera tão grande que hoje já existe a terapia para o homem organizacional, feita dentro das empresas”. Mas a Dra. Ana explica que a mudança de atitude pode começar aos poucos, com o próprio profissional. A pessoa precisa estar constantemente fazendo a seguinte questão a si mesma: ‘O que quero para minha vida daqui a cinco anos’? “Se você quer estar saudável e feliz até lá, é fundamental começar a mudar os hábitos, ser mais exigente com a sua saúde e a sua vida fora do escritório. Crie espaço para fazer outras coisas e, acima de tudo, crie novos horizontes para serem explorados”, comenta a psicóloga.
Qualidade de vida pode começar pela empresa
A organização pode inspirar e estimular os profissionais a serem mais saudáveis com a implantação de programas de qualidade de vida. É o caso da Atlas Schindler, fabricante de elevadores, escadas e estreiras rolantes, líder do segmento no Brasil. A companhia tem um programa bastante forte de qualidade de vida, com exames médicos e check ups trianuais para os executivos, programa para combater, prevenir e tratar a dependência química e exames para pessoas que têm histórico de doença cardiovascular na família ou mesmo potencial para sofrer do coração. O programa é uma das responsabilidades de Diloney Palumbo Filho, gerente de RH e qualidade de vida da empresa, que, pasmem, também é um ex-workaholic, como a diretora de RH da Canbrás, Iridizon Silva.
Diloney conta que sempre teve uma vida regada a muito trabalho e, por conta disso, o lado pessoal acabava ficando para depois. “Eu via o trabalho como prioridade, depois a família e os amigos. Eu mesmo ficava lá no fundo da fila, e quase nunca tinha tempo para fazer as coisas que gosto. Me dei conta disso em um evento que falava sobre como ser feliz sem deixar de ser eficaz. Foi lá que percebi que precisava mudar minhas atitudes para ter uma vida saudável, e foi o que eu fiz”.
O executivo mudou radicalmente o modo de trabalhar e hoje se considera muito mais feliz e produtivo, tanto no trabalho quanto fora dele. Passou a otimizar mais o tempo que passava dentro da empresa, começou a delegar algumas atividades menos estratégicas para outras pessoas e começou a utilizar alguns conceitos de gestão empresarial no dia-a-dia. “Hoje eu não preciso mais passar quase doze horas dentro da empresa, como fazia antes. Com isso, tenho tempo para fazer esportes e tenho um horário muito mais flexível. Levar trabalho e o laptop para casa no fim-de-semana então, nem pensar. Todos aprovaram muito o resultado, mas sem dúvida minha esposa foi a que mais gostou das mudanças. Percebi que é possível conseguir ter bons resultados na empresa, sem abrir mão da qualidade de vida. E o mundo não acabou por causa disso”, brinca Diloney.
Workaholic? Não! Motivado e feliz
Há algum momento em que o trabalhador workaholic é valorizado – e até bem-vindo? Sim, nos casos de mudança, reestruturação organizacional, fusão e aquisição e venda de empresas, onde os profissionais acabam trabalhando muito mais para dar conta dos processos e poderem voltar ao mercado de forma competitiva. Mas é bom ter cuidado com o excesso de trabalho. Para a psicóloga Ana Cristina Limongi, “situações como essa têm se tornado relativamente comuns em certos segmentos de mercado, mas é bom ficar atento e agir na base da negociação com o chefe, porque chega uma hora em que você não consegue produzir mais, o melhor é ir para casa descansar para estar bem no dia seguinte”.
Essa rotina maluca de dias repletos de atividades e reuniões e noites mal-dormidas faz parte da vida de quase todos os 75 funcionários da Torrent Farmacêutica, multinacional indiana que chegou em outubro do ano passado ao Brasil. O diretor de marketing e vendas da companhia, Orlando Famá, explica que nesta fase de lançamento é bom que todos sejam um pouco workaholics, por que o trabalho é puxado e exige muita dedicação mesmo. “Nós temos essa motivação gostosa e costumamos trabalhar muito mais do que o horário tradicional sim. Mas não diria que somos workaholics, é que queremos ver a empresa crescer rapidamente. Costumo chegar antes das 9 horas e é difícil sair antes das 20h30. O presidente vive perguntando se a gente não tem nada para fazer em casa. Mas o desafio e o comprometimento são muito maiores do que o cansaço ou qualquer outra coisa”. Com tanta dedicação, Orlando explica que os horários são muito flexíveis e o funcionário pode deixar de ir trabalhar determinado dia para levar o filho ao médico, resolver problemas pessoais ou mesmo tirar um dia de folga. “Somos muito abertos em relação a isso, justamente pelo fato de trabalharmos mais em certos dias”, afirma o diretor.
Por tudo isso, é importante pensar bem antes de levar trabalho para casa ou ficar horas a mais no escritório, enquanto a família espera ansiosa sua volta para casa. Existem situações em que é preciso trabalhar no feriado e deixar de almoçar sim, mas quando isso se tornar uma rotina na sua vida, é sinal de que é hora de mudar. Como as empresas implantam programas de reestruturação organizacional para aprenderem a ser mais produtivas e poderem competir em pé de igualdade com as concorrentes, você também pode implantar um pequeno programa de downsizing na sua vida. Sem dúvida a sua saúde, a empresa que você trabalha e as pessoas a sua volta agradecem.

Avalie:

Comentários 0 comentário

Os comentários estão desativados.