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“Ainda vivemos o paradigma de que o homem é aquilo que produz, de que tempo é dinheiro”, lembra a psicóloga Bellkiss Romano, diretora do departamento de psicologia do Instituto do Coração de São Paulo (Incor), assumindo que atualmente anda estressada porque vai prestar um concurso para titular de cadeira na Universidade de São Paulo, a última etapa da sua carreira como professora. “Perco o sono, fico tensa, mas estou segura de que é um estado que vai passar depois da prova.”
Além dos estudos, Bellkiss trabalha até 13 horas por dia no Incor, onde coordena o atendimento psicológico de pessoas que sofreram enfarte, segundo ela, um problema típico de quem se violenta com metas e obrigações demais. Números da Sociedade Brasileira de Cardiologia comprovam o que ela está dizendo: além daqueles que nascem com algum problema cardíaco, pelo menos um quarto dos cardiopatas desenvolve a doença ao longo de uma vida estressada. “Como todas as conseqüências do estresse, o enfarte também é bem democrático”, comenta Bellkiss. Não faz distinção de sexo, idade ou profissão: do bóia-fria que trabalha para mandar os filhos estudar na capital ao executivo cuja empresa está passando por uma reestruturação e acaba trabalhando demais por medo de perder o emprego – ou, então, por não se dar conta de que a gente não é apenas o que produz.
Diversidade – “Passei dois anos fazendo exames inúteis para descobrir a causa de uma dor pélvica que só alivia com comprimidos de Valium”, desabafa a dentista Irides Salete Zortea. Muitos exames depois, o diagnóstico – endometriose – acabou sendo dado por uma ginecologista que havia passado pela mesma situação. Uma em cada sete mulheres tende a desenvolver a doença, e a causa é geralmente desconhecida. A médica de Irides não encontrou provas, só explicações que justificam o desenvolvimento da doença: estresse, estresse e estresse.
Durante quatro anos, Irides trabalhou uma média de 15 horas por dia, com quatro empregos silmultâneos. Completando a jornada, por dois destes anos, cumpria um trajeto de dez horas de viagem entre Caxias do Sul (RS), onde mora, e Curitiba, onde fez pós-graduação. “Sempre me cobrei muito porque via meus colegas trabalharem até mais do que eu e não terem nenhum problema”, recorda.
Hoje, com 32 anos de idade e 12 de profissão, Irides se recupera de uma depressão, controla as altas taxas de cortisol com hormônios e, sempre que vivencia uma situação estressante, as dores pélvicas são aliviadas com Valium. “Agora, estou há quatro meses sem ter nenhuma crise. Meus amigos dizem que voltei a cumprimentá-los na rua. Mas já pensei em suicídio”, desabafa Irides que, atualmente, está trabalhando apenas no seu consultório. “Não gosto de pensar que outras pessoas podem estar passando por situações parecidas.”
Nos próximos dois anos, porém, as perspectivas não são das mais tranqüilas. “Ano que vem, começo um mestrado em Montevidéu (Uruguai) e vou retomar as viagens e um pouco da correria. Estou indo atrás de um objetivo e sei que preciso cuidar para não exagerar”, pondera, consciente de que a principal causa de tudo sempre foi exigir demais de si mesma. Especialmente nas questões profissionais. “A falta de lazer e a ambição de ser uma profissional realizada, capaz de bancar uma casa, um consultório e os estudos, levaram-me para o fundo do poço.”
Causa e efeito – “Somos um meio de transporte para doenças”, entende Ephraim Olszewer, cardiologista e presidente da Sociedade Brasileira de Oxidologia, que representa os profissionais de medicina ortomolecular. Olszewer atende, em média, 35 pessoas a cada dia no seu consultório, em São Paulo. São pacientes com problemas cardiovasculares, diabetes, artrite e câncer. “Cada um tem predisposições específicas, mas o estresse diário é sempre um fator coadjuvante, um gatilho que detona as doenças”, explica. E, apesar de não estar presente apenas nas situações de trabalho – estressamo-nos no trânsito, em casa, na rua, até nas férias – , os especialistas em saúde mental concordam que é durante a atividade produtiva que ele tende a ser mais implacável.
“O estresse está em todas as pequenas coisas do dia-a-dia”, lembra Ana Perwin Fraiman, psicóloga especializada na preparação de executivos que queiram se aposentar. “Mas a atividade profissional pode ser
mais estressante, biológica e mentalmente, do que um produto tóxico, por exemplo.”

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