Por Alvaro Comin*
O debate sobre a redução da jornada de trabalho é tão antigo quanto o próprio capitalismo. Já no século XIX, a legislação que estabelecia limites para a duração do trabalho apareceu na Inglaterra, onde os operários da indústria têxtil trabalhavam em média 16 horas por dia.
Desde então, a cada redução da jornada, o empresariado resmunga que seus negócios vão à falência, exatamente como hoje. É claro que, como a primeira fonte de lucro das empresas é o próprio trabalho, qualquer mudança na jornada é encarada como obstáculo aos negócios – especialmente quando a redução de salários é limitada.
Mesmo que não existam barreiras legais à redução dos salários, abaixo de um certo tanto a própria sobrevivência do trabalhador fica ameaçada. Em vista disso, quando a jornada é diminuída sem uma redução proporcional no salário, a taxa de lucro do empresário se vê encolhida.
Mas como então, ao longo deste último século, a jornada caiu pela metade sem que as empresas desaparecessem? A resposta está no aumento da produtividade – hoje o trabalhador faz em oito horas o que antes fazia em 16. Esta é, de forma muito simples, a equação que está em jogo – reduzir horas significa aumentar a produtividade.
No Brasil, por exemplo, reclama-se dos custos da força de trabalho, maiores que em outros países – mas ninguém lembra de dizer que um operário americano, alemão ou japonês ganha dez vezes mais do que um brasileiro. O que faz então com as empresas destes países ainda assim sejam mais competitivas do que as nossas? Altos investimentos em tecnologia, qualificação de sua mão-de-obra e margens de lucro mais estreitas.
De modo geral, sempre que a empresa puder obter lucros explorando mão-de-obra barata vai fazê-lo sem preocupação – qualquer liberal honesto dirá que o objetivo dela é sempre aumentar os lucros usando os meios disponíveis. Se houver inflação, elas especulam no mercado financeiro; se os salários aumentam, buscam mais produtividade ou migram para outra região.
É verdade que a curto prazo as empresas podem ser prejudicadas mas essa é uma política que, se bem aplicada, pode ser vantajosa para todos. No caso dos trabalhadores, não só por aumentam a oferta de empregos, mas é bom para a saúde.
Claro que não é um passe de mágica. Uma política como esta tem de ser feita de modo cuidadoso ou pode ser um desastre. É preciso que haja um ritmo adequado, o que só pode ser obtido com planejamento setorial, respeitando os estágios de desenvolvimento de cada setor produtivo.
No entanto, o governo não pode aguardar a boa vontade dos empresários para que isto se faça. São necessários legislação, política de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, setorial e regional para empurrar as empresas para frente e não simplesmente dar-lhes subsídios indiscriminados.
Um bom começo, no nosso caso, seria proibir para valer o uso de horas-extras – um simples cumprimento do que a lei já prevê. O Dieese estima que na Grande São Paulo, só com esta medida, haveria um saldo excelente de novos empregos. Outra iniciativa seria exigir das empresas que recorrem aos fundos públicos que cumpram metas de redução da jornada, aliando a isso políticas de qualificação profissional que sustentem os empregos e a lucratividade.
Só não se deve esperar que tal atitude parta das próprias empresas – o governo e os sindicatos devem tomar a dianteira da situação. Mas, com os sindicatos em baixa e conhecendo a atual administração federal, acho duvidoso que qualquer iniciativa mais veemente se concretize.
Infelizmente, creio que os empresários não precisam entrar em pânico por hora.
*Alvaro Comin é professor do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Redução da jornada é ou não solução para o desemprego?
O debate sobre a redução da jornada de trabalho é tão antigo quanto o próprio capitalismo.
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