Carreiras | Empregos

por Wagner Siqueira*
A tradicional figura do profissional liberal estaria em extinção? No caso afirmativo, que papéis, funções, condições de trabalho e status social estarão reservados para nós? E como assumir essas novas características? Que anéis ceder para não perder os dedos?
Essas cruciantes perguntas se colocam hoje, a cada dia em tom mais ríspido e agressivo, diante de cada brasileiro que exerce uma das profissões ditas liberais, gerando conflitos entre sua evidente queda de remuneração e de posição social – e, consequentemente, de padrão de vida, de um lado, e a necessidade de manter sua imagem pública: afinal, para a clientela, o profissional liberal é sempre “o doutor” ou “a doutora”, tendo, pois, a obrigação de viver como tal…
Esta situação tem a ver, em parte, com a atual crise da sociedade brasileira, mas decorre principalmente das transformações profundas dessa mesma sociedade e das mutações de correlações de forças que em seu bojo se processam. Por outro lado, a estrutura capitalista insiste em continuar lançando mão da velha tábua de salvação que, de acordo com o andar da carruagem da História, implica o naufrágio desse mesmo capitalismo: o recurso a medidas socializantes e estatizantes. O esforço de reduzir os Conselhos Profissionais à autarquias federais e reduzir seus empregados à condição de servidores públicos estáveis é um exemplo bem ilustrativo.
Esse é o verdadeiro pano de fundo das mutações que aí estão visíveis nas relações de produção, não só de bens, mas também de serviços, área em que se inserem os “profissionais liberais”, ou melhor, seus mutantes: os proletários “liberais”.
Nesse contexto socializam-se a medicina e as diversas atividades ligadas à saúde -e, com, elas, o médico, o odontólogo (último dos moicanos?), o enfermeiro, o psicólogo, o fisioterapeuta, o biólogo, o bioquímico e assim por diante. O engenheiro autônomo é hoje uma “avis rara”. O farmacêutico só muito no interior é “Seu Fulano da Farmácia”, já que em sua esmagadora maioria é atualmente assalariado das multinacionais e estatais, tal como o químico e os diversos ramos da engenharia. O administrador, o economista, até os contabilistas, e mesmo os advogados estão hoje como dentes das engrenagens organizacionais, só minoritariamente atuando com a autonomia que os caracteriza como “liberais”.
Colocam-se então aquelas questões inicias. O que fazer ? Espernear na tentativa de deter a carruagem da História ? Reagir como os operários ingleses do início da Revolução Industrial, sabotando as máquinas (que lhes roubavam sua condição de artesãos autônomos) ao lhes jogar nas engrenagens seus tamancos ?
Deplorar, espernear ou analisar friamente os novos dados da realidade econômica e social brasileira ? “Morrer duro mas não perder a pose” ou avaliar realisticamente as transformações organizacionais e a evolução institucional de um país em que a sociedade civil enfim se organiza e constrói sua maturação política ?
Dolorosa opção, mas inevitável, já que ao ser panteteada a carruagem da História, não havia sido ainda inventada a marcha-à-ré…
De um certo modo, para muita gente, abrir mão de “status”, prestígio e das condições de trabalho pesa até mais do que as próprias dificuldades econômico-financeiras. Mas um segmento cada vez maior dos profissionais liberais vai gradualmente reconhecendo a imprescindibilidade de adaptar-se à nova situação de modo a adequadamente enfrentar seus desdobramentos e não ser tomado de surpresa pelos fatos consumados.
Pode ser esta, no fundo, a motivação de muitos que pensam em transformar os Conselhos Profissionais e o Sindicatos de Profissionais liberais em ordens ou associações autônomas e completamente desvinculadas da tutela do poder público.
Cabe perguntar se valeria a pena o risco de tal iniciativa no atual momento brasileiro. Mas, sem dúvida, o fato é sintomático e revela a perplexidade com que hoje se defrontam os profissionais liberais. Este é um dilema que nem é tão dilema assim, pela inexistência de opções aceitáveis: pelo simples fato de que, ao se configurar um processo de mutação, a espécie condenada não passa a sobreviver com a que mudou e assumir sua condição de mutante, mas sim, pura e simplesmente, se extingue!
*Wagner Siqueira é Presidente licenciado do Conselho Regional de Administração do Estado do Rio de Janeiro.

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