Carreiras | Empregos

Vivemos tempos de grandes mudanças, de grandes transformações. Apesar de ser um fenômeno que sempre fez parte das preocupações de estudiosos, desde os tempos do filósofo grego Heráclito, o que caracteriza a mudança e transformação dos dias atuais é a sua velocidade sem precedentes. A globalização dos mercados e as revoluções gêmeas da informática e da comunicação impõem o que alguns cientistas convencionaram chamar de compressão do tempo-espaço. O que isto quer dizer é que as coisas mudam numa velocidade fantástica e que eventos que acontecem no outro lado do mundo nos afetam, quer queiramos ou não. O pensador da atualidade Zigmunt Bauman, que recentemente esteve no Brasil, dá a este fenômeno o nome de modernidade líquida, em contraponto à modernidade sólida que se verificava até os anos 1950. Ao se referir à modernidade líquida, ele pretende nos alertar para a extrema volatilidade dos tempos atuais: tudo muda o tempo todo, tudo pode se desconstruir e se reconstruir novamente de outra maneira, não existe garantia para nada. O que impera é a lógica do novo, da transformação, contrapondo-se ao seguro e estável do passado. Basta olhar para a velocidade com que somos acometidos por mudanças no mundo da informática, da biologia, da comunicação. Eventos do outro lado do mundo, como enchentes na China, ações de um serial killer nos Estados Unidos ou um tsunami no Japão ou na Indonésia provocam ansiedade em cidadãos pacatos de qualquer cidade pequena no interior do Brasil, nos fazendo esquecer momentaneamente dos nossos próprios problemas locais.
No mercado de trabalho, as coisas não são diferentes. O capital, graças à velocidade da comunicação e da informática, move-se de um lugar para o outro em busca de melhores retornos ou de portos seguros. A Europa, que até três ou quatro anos atrás era o sonho de consumo de grande parte dos jovens de países pobres, é agora lugar de angústia e falta de perspectivas para milhões de novos entrantes no mercado de trabalho. Fábricas são transferidas, até mesmo aqui no Brasil, de um lugar para o outro atrás de benefícios fiscais, de sindicatos mais acessíveis ou de menores preços da mão de obra. Nos mercados maduros, e em grande parte dos países em desenvolvimento (o nosso incluído), empregos migram dos setores sólidos da indústria para as novas e voláteis esferas dos serviços. Centenas de novas profissões são criadas e cursos técnicos e universitários são rapidamente adaptados para acompanhar estas transformações. Mas qual a segurança de que quando estivermos prontos para o mercado de trabalho a faculdade que escolhemos ainda continuará sendo uma boa oportunidade de emprego? Fala-se o tempo todo que o que importa é o conhecimento, mas qual é o conhecimento que fará a diferença daqui a cinco ou dez anos? Nossos pais continuam nos estimulando a procurar empregos que nos assegurem crescimento profissional e uma carreira para o futuro. A questão que se coloca é se este tipo de carreira ainda existe ou se ela é oportunidade para apenas alguns poucos. Em essência, a nossa pergunta hoje é o que significa carreira para estes tempos de mudança e quais as competências que precisamos desenvolver para enfrentar estas demandas sempre cambiantes.
O pesquisador canadense Jean-François Chanlat procura responder a estas questões apresentando quatro possibilidades de desenvolvimento de carreira nas organizações do mundo contemporâneo:

  1. Um primeiro modelo ele denomina de “tipo burocrático”, que é aquele modelo tradicional de carreira que nossos pais e avós observaram durante aquilo que acima chamamos de modernidade sólida, quando quase tudo podia ser planejado, quando podíamos pensar no longo prazo. É um tipo de carreira que está em franca decadência, apesar de ainda estar muito presente em algumas indústrias, principalmente naquelas mais tradicionais. Os poucos que poderão usufruir deste modelo seguro, entretanto, não estão livres da necessidade de desenvolver competências como de adaptabilidade, criatividade e relacionais para sobreviver às demandas de mudança que também afetam suas organizações.
  2. O segundo tipo é o denominado de “profissional”, que se baseia no monopólio de um certo saber, da especialização e da reputação. Não é uma carreira vertical como a que estamos acostumados a ver e está fortemente vinculada aos trabalhos de profissionais autônomos e liberais, assim como a conhecimentos específicos e de difícil aprendizado. Mesmo nas organizações modernas observa-se um enorme florescimento deste tipo de profissional, onde sua trajetória recebe o nome de carreira em Y, aquela que se diferencia da carreira vertical e vinculada à gestão de pessoas. Trata-se de carreiras em que é possível crescer dentro das organizações a partir de nossas competências e habilidades técnicas, sem precisar necessariamente ter que optar por funções de gerenciamento de equipes. São carreiras que representaram uma enorme oportunidade para aqueles técnicos e profissionais especializados que, no passado, acabavam ficando impossibilitados de crescer em suas organizações porque não tinham ou não queriam desenvolver habilidades de gestão de pessoas.
  3. O tipo “empreendedor”, que está ligado às atividades de uma empresa independente, traçadas normalmente por uma única pessoa ou por um grupo de pessoas. É um tipo de carreira cada vez mais frequente no mundo contemporâneo, na medida que o preço para ingressar no mercado fica cada vez menor, já que tecnologia e informação estão à disposição de todos a apenas um clique. Basta ter uma ideia na cabeça e não mais muita coragem, como se requeria no passado. Em algumas escolas de administração hoje, mais da metade dos formandos afirmam que esta é sua primeira opção de carreira. É um tipo de carreira que também é cada vez mais frequente na grande organização capitalista. Como o mundo muda a uma velocidade sem precedentes, não dá para continuar confiando exclusivamente no antigo gerente que garantia a execução das tarefas que lhe eram apresentadas através do comando e controle. O “colaborador” da empresa da economia de serviços precisa saber rapidamente se adaptar às mudanças, criando novas e criativas oportunidades e possibilidades para a empresa e para os consumidores. Não se trata apenas de se adaptar às mudanças, mas de se antecipar a elas. Frequentemente alguns destes “empreendedores”, funcionários da organização moderna, têm autonomia próxima do total. Neste ambiente, as competências mais valorizadas são as que denominamos “competências auto”: auto-disciplina, auto-desenvolvimento, auto-gestão, etc, pois se paga um prêmio especial à capacidade do indivíduo de administrar sua própria vida e suas possibilidades de desenvolvimento, permitindo assim que toda a organização se desenvolva com ele.
  4. Finalmente, o quarto tipo de carreira é o tipo “sócio-político”, que se baseia nas habilidades sociais e de influência nas relações de que a pessoa dispõe. Apesar de historicamente vinculado a certas posições na hierarquia sócio-política, é um tipo de carreira que assume especial importância nos modelos atuais, em que se sobressaem as redes sociais. A competência fundamental aqui é a relacional, que se refere à capacidade do indivíduo de fazer com que suas ideias e ações sejam percebidas por outros. Frequentemente associada a sorte ou acidente, é uma competência que também exige auto-disciplina, auto-desenvolvimento e auto-gestão em grandes escalas.

A pergunta final que se apresenta, então, é como nos preparamos para esta multiplicidade de opções? Embarcamos nas propostas mais imediatas dos cursos técnicos e de foco específico? Ou optamos por uma formação mais generalista ou humanista? É uma pergunta para a qual existem inúmeras respostas e nenhuma delas vai nos permitir atender todas as possibilidades de carreira. Se, de um lado, a formação técnica e específica nos auxilia no desenvolvimento de carreiras como a de tipo profissional e, mesmo a burocrática, de outro, formações mais generalistas nos permitem um melhor desenvolvimento nas outras duas possibilidades de carreira. Entretanto, esta não é uma verdade em si só, já que as enormes interconexões dos eventos e das questões de hoje exigem que todos nós sejamos capazes de analisar as situações sob mais de um ângulo, ou de forma “holista”, como se convencionou dizer. Por isto, não dá para deixar de buscar alguma especialização ou competência técnica e, ao mesmo tempo, não dá para não prestar atenção ao que ocorre ao nosso redor. Não basta ser um técnico de primeiríssimo nível, sem saber como esta nossa especialização afeta ou pode ser empregada em outras situações. Da mesma maneira, não basta ser um generalista ou empreendedor de primeira mão, sem dar valor para questões técnicas requeridas por consumidores cada vez mais exigentes com qualidade de produtos e serviços. Um olho no peixe, outro no gato!

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