Philip Kotler
O marketing de massa morreu e está sendo substituído por estratégias diferenciadas para cada segmento e até para cada cliente.
A maioria dos executivos de marketing tem consciência de que o mercado de massa está virtualmente morto, embora sempre existam aqueles que ainda acreditam nele. A segmentação avançou tanto nesta década que é praticamente impossível uma empresa ignorá-la.
O que os executivos ainda não sabem, no entanto, é que até mesmo os mercados segmentados estão ficando amplos demais, de um tamanho que não tem permitido o desenvolvimento das melhores estratégias. Descrevo neste artigo algumas formas de segmentação radical com exemplos bem – sucedidos que, a meu ver, representam o caminho do futuro próximo – quero dizer, amanhã de manhã.
Especialização setorial
Começo pelo mercado institucional do ketchup fabricado pela empresa norte-americana Heinz, uma de minhas ilustrações favoritas em termos de especialização setorial. Antigamente um gerente de produto da Heinz cuidava das vendas de ketchup e mostarda para mercearias, restaurantes, hospitais e escolas.
Mais recentemente, a Heinz organizou-se para mercados finais, incumbindo os gerentes de conceber estratégias de vendas de ketchup e mostarda por setor. Vejamos, por exemplo, a abordagem da empresa para vender a presídios – um mercado cativo, com perdão do trocadilho, e em grande crescimento nos Estados Unidos.
Alguém é capaz de imaginar um vendedor da Heinz entrando em uma penitenciária com um vidro de ketchup, líder de vendas, e argumentando com o comprador: “Seus prisioneiros merecem o melhor. Nosso produto de qualidade superior é o ideal para encobrir o gosto horrível da comida que vocês servem”? (Por falar nisso, o ketchup é uma importante decisão de compra para os responsáveis pelo abastecimento de uma prisão; eles de fato precisam de algo que realce, ou pelo menos disfarce, o gosto da comida).
É claro que o diretor e os provedores do presídio só podem responder: “Não podemos gastar um dólar sequer por vidro de ketchup!” Com isso, a Heinz tem duas opções: ou fica fora desse mercado final ou recorre a um especialista capaz de reformular o produto e ajudar a empresa a adaptar-se convenientemente às necessidades desse cliente – um gerente para o mercado de presídios.
A Heinz escolheu a segunda opção e, agindo dessa forma, verificou que podia utilizar seus tomates de segunda linha para formular um produto mais barato para as penitenciárias. Além disso, aprendeu a embalar o produto em barris providos de torneiras, em vez das embalagens de vidro, potencialmente letais.
A Heinz queria ter certeza de que os vendedores que lidam com presídios conhecessem bem o seu ramo e passou a recrutar diretores de presídios que estivessem dispostos vantagem competitiva.
Micromarketing
Passemos agora à microssegmentação conhecida por micromarketing. A inovação mais empolgante no campo do marketing de consumo nos últimos tempos é o sistema de análises geodemográficas. O sistema Prism, da Claritas, e o Cluster Plus, da Donnelley, são os exemplos comerciais disso. (Quem quiser conhecer mais sobre esses sistemas deve ler o livro “The Clustering of America”, de Michael Weiss).
Jonathan Robbin, criador do sistema Prism, era especialista em informática e também empreendedor. Ao estudar os dados do censo demográfico dos Estados Unidos, ele identificou 40 grupos socioeconômicos que representam os diferentes estilos de vida do país. Batizou, então, cada um desses grupos com uma alcunha própria, como a “turma das peles e minivans”.
A classificação de Robbin baseia-se no pressuposto de que as pessoas de uma determinada área geográfica são relativamente parecidas e essa semelhança manifesta-se em hábitos de consumo similares e preferência pelas mesmas marcas. Com esses grupos que representam 40 estilos da vida, é possível determinar em que áreas (representadas pelos códigos de endereçamento postal) ou mesmo em que quarteirões de uma cidade um produto terá mais oportunidade de sucesso.
O código postal 85254, por exemplo, que especifica a zona Nordeste da cidade de Phoenix, no Estado do Arizona, é um bairro de “peles e minivans”. De acordo com a teoria de Robbin, podemos prever que os membros desse grupo provavelmente pertencem a um clube de campo, bebem vermute, lêem uma revista sobre culinária e votam em candidatos republicanos.
Robbin acredita que os moradores dessa zona postal têm muito mais em comum com a distante comunidade de Glenview, em Illinois, do que com zonas postais vizinhas. Outra categoria estabelecida por Robbin foi a “Velha Rosa Ianque”, caracterizada por bebedores de cerveja, freqüentadores de clubes de amigos e eleitores de candidatos do Partido Democrata. Ela se encontra, por exemplo, no código postal 02151 de Revere Beach, Massachusetts.
Entre as demais 38, posso citar também “dinheiro e cérebro”, “jovens influentes”, e “jovens de subúrbio”. Para uma editora de livros, seria extremamente útil poder identificar quais dos 40 grupos são grandes consumidores de livros. Considere que um grupo normal tem um índice 100 de compra de livros; se você encontrar um grupo na faixa dos 150, significa que seus membros compram 50% mais do produto do que um grupo normal.
As categorias que Robbin designou como “dinheiro e cérebro”, “jovens influentes”, “peles e minivans” e ,”jovens de subúrbio” são as quatro que mais compram livros. Ao escolher o local de uma nova livraria ou ao buscar um mailing list para vender títulos de um clube de livros por mala direta, bastaria estabelecer as zonas postais – ou mesmo quarteirões – que contam com uma elevada presença desses grupos.
É possível segmentar ainda mais o mercado. Ao vender por reembolso postal, é razoável supor que as pessoas da ‘turma das peles e minivans” comprem muitos títulos sobre jardinagem e que os integrantes do grupo “dinheiro e cérebro” sejam um excelente público-alvo para livros de negócios.
Outro exemplo de micromarketing é o caso de uma empresa industrial que faz distinção entre dois grupos de clientes. Quem não se lembra do velho ditado “todos os clientes são importantes, mas alguns são mais importantes do que outros”? Hoje essa empresa distingue entre os clientes que merecem ser tratados com o marketing de relacionamento e aqueles que receberão o marketing de transação.
Qual é a diferença entre ambos? Em todo mercado, sempre há clientes que querem o melhor e estão dispostos a pagar pelo pacote completo de serviços e outros que eternamente alegam estar sob pressão de custos. Essa empresa a que me refiro conscientizou-se disso e resolveu concentrar esforços nos primeiros, investindo tempo e energia para desenvolver com eles aquele tipo de relacionamento que resulta em uma corrente contínua de vendas e boa vontade. Ao segundo tipo de cliente, a empresa passou a dizer o seguinte: “Ótimo, o que você está realmente pedindo é uma redução de preços, porque não precisa de todos os serviços que oferecemos. Nós iremos ajudá-lo, então, a reduzir o custo de fazer negócios conosco”.
Em vez de mandar um vendedor visitar esse cliente, por exemplo, a empresa começou a lhe telefonar para saber de suas necessidades. Em vez de lhe entregar as mercadorias, sugeriu que ele mesmo as fosse retirar. E acrescentou: “Eis aqui uma lista dos custos separados de cada um dos serviços que está recebendo – com isso, você só pagará pelos serviços de que realmente precisa”.
Essa foi uma excelente maneira de manter os clientes que não queriam, ou não podiam, pagar o preço integral. Pode até ser ampliada para uma segmentação em três níveis – “clientes bom”, “cliente ótimo” e “cliente melhor ainda”, como a Sears designaria, cada um com seu preço correspondente.
Clientes individuais
Embora o micromarketing possa ainda ser a onda da década, existe uma excelente oportunidade de levar a segmentação ainda mais longe – até o cliente individual. Stanley Davis cunhou, em seu livro “Futuro Perfeito” (lançado no Brasil em 1990 pela editora Nobel), uma expressão aparentemente contraditória mas em perfeita consonância com as atuais tendências: “personalização em massa” (mass customization).
A idéia de Davis era de que as novas tecnologias – computadores, telecomunicações, fábricas automatizadas, fábricas flexíveis, aparelhos de fax e empresas de transporte rápido como a Federal Express – haviam tornado possível para os profissionais de marketing personalizar seus produtos para cada comprador individual. Pois isso vem se confirmando a cada dia.
Até recentemente, os produtos eram ou feitos sob encomenda ou fabricados em largar escala, e o marketing era, ao mesmo tempo, movido e limitado por esse princípio de mútua exclusão. As novas tecnologias permitem, no entanto, uma volta aos produtos e serviços feitos sob medida para um cliente e sem a longa espera.
O projeto Saturn da General Motors foi, por exemplo, concebido de modo que comprador pudesse ir a um revendedor GM e montar seu carro personalizado. O sistema Saturn faz uma série de perguntas sobre acessórios opcionais e o comprador vai pressionando as teclas apropriadas em resposta. Em seguida, as informações obtidas são transmitidas eletronicamente para a fábrica, onde as preferências do comprador são incluídas na produção final de seu carro à medida que ele avança pela linha de montagem. Esse conceito permite a criação de carros exclusivos para cada pessoa.
Outro exemplo de personalização em massa ocorre na indústria da construção civil japonesa. Quando um casal está pronto para comprar sua casa, vai a um show-room, senta-se com um vendedor diante uma tela de computador com recursos de CAD/CAM e projeta diretamente a casa que deseja. Suponhamos que os dois queiram uma sala de estar de 4,5 m por 5,5 m.
O computador mostrará um retângulo em escala e o casal poderá ir colocando as janelas aqui, as portas ali e acrescentando quaisquer outros detalhes personalizados que quiser. Ao completar o projeto da casa, marido e mulher fazem naturalmente a seguinte pergunta: “Quanto isso vai nos custar?” O vendedor simplesmente pressiona outra tecla do computador e o preço aparece na tela – uma estimativa baseada no preço por metro quadrado e outros elementos do projeto.
Suponhamos que o preço seja 10 milhões de ienes. “Takasugimasu!”, exclama o casal. “Está muito além de nosso orçamento! Estávamos pensando em algo na faixa dos 8 milhões de ienes”. “Não há problema”, diz o vendedor. Ele aciona outra tecla e o computador reduz o tamanho da casa em determinado percentual. O casal tem agora uma sala de estar de 4,2 m por 5,2 m e o preço cai para 8 milhões de ienes.
Eles então assinam o contrato e perguntam: “Quando a casa estará pronta?” O vendedor pede desculpas sinceras e afirma que gostaria que sua firma não estivesse com tantos pedidos acumulados e pudesse completar o pedido de seus clientes mais rapidamente (na realidade, o vendedor deveria estar se vangloriando da brevidade de espera), mas que o casal terá sua casa em seis semanas. E, de fato, no dia marcado, quatro caminhões chegam ao local de construção carregando paredes, tetos e pisos que são então montados pelos pedreiros. Pode ser construção em massa, mas também é construção personalizada.
Examinemos mais dois exemplos de personalização em massa. No setor hoteleiro, você pode filiar-se ao programa Honored Guest (Hóspede Eminente) da rede Marriott. Depois de fazer a reserva, basta chegar à recepção do hotel e dar seu nome. O funcionário lhe dá então uma chave e – surpresa! – será sempre exatamente a do quarto que você queria.
Por exemplo: um quarto para não-fumantes, num andar baixo, próximo mas não ao lado do elevador e com quaisquer preferências que você tenha especificado no banco de dados da Marriott. Na realidade, o programa de computador otimiza suas preferências, buscando dentre todos os quartos vagos aquele que mais se aproxima de seu pedido.
Por fim, consideremos o que vem acontecendo com a mala-direta. Vejamos o caso de uma empresa de vendas por catálogo norte-americana que obtém dos hospitais listas de recém-nascidos e suas famílias. Três semanas após o nascimento, a família recebe um catálogo mostrando produtos para bebês. Oito meses depois, ganha outro catálogo dedicado a crianças que estão aprendendo a andar. Passados cinco anos, vem o catálogo com indicações de materiais escolares, pois a criança está prestes a entrar na escola. (Pela lógica, 60 anos depois a firma deveria enviar um catálogo de muletas, óculos de grau e remédios genéricos.)
Os computadores hoje permitem que os fabricantes acompanhem a vida de seus clientes, oferecendo bens e serviços adequados a cada “idade humana”. O mercado de massa está morto. A meu ver, o “mercado de massa” está definitivamente morto e já ingressamos na era da personalização em massa. As estratégias devem ser desenvolvidas para cada nicho identificado e devemos estar atentos às novas oportunidades de personalização. A informática e os recursos da automação em fábricas hoje permitem a produção de versões individualizadas de produtos a um preço acessível e este é o sonho de todo consumidor. Basta realizá-lo.
Fonte: HSM
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