Muito mais que oferecer vantagens para o trabalhador ou agir de forma paternalista prestando uma assistência além do salário pago, a política de benefícios passou a ser uma ferramenta estratégica tanto para as ações de Recursos Humanos quanto para o marketing institucional das empresas.
O setor evoluiu de tal forma que hoje já se fala em oferecer benefícios personalizados ao gosto de cada funcionário. São os chamados benefícios flexíveis.
Segundo Thaís Blanco, consultora líder da área de Benefícios da Hewitt, os benefícios passaram a ser uma parte integrante da remuneração total. “Apesar de haverem outros fatores para atração de talentos, como um bom ambiente de trabalho, perspectivas de carreira, mas o que realmente faz um profissional mudar de emprego é o salário e o plano de benefícios oferecido”.
Em uma abordagem histórica do desenvolvimento dos benefícios no Brasil, a consultora conta que as primeiras ações tiveram cunho mais assistencial, já que havia uma preocupação dos empresários pelo fato dos operários “não conseguirem se manter em pé para produzir por não terem o que comer em casa, então, foi nesse momento que surgiu o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) “.
Foi também nessa época que começaram a aparecer os primeiros planos de saúde, pois até então, as grandes empresas mantinham ambulatórios para atendimento básico. Com o crescimento da terceirização de serviços nas empresas, vários outros benefícios também começaram a ser administrados por empresas especializadas.
Hoje, a área de benefícios não é mais encarada pelas organizações de forma paternalista, que somente servia para “doar” um pacote de vantagens. A política de benefícios passou a ser vista como uma área estratégica para a retenção e atração de talentos e cujos custos podem ser repartidos com os colaboradores. Essa é a política executada pelo Banco Real – ABN Amro Bank. “Na verdade, nosso conceito é muito mais amplo, pois acreditamos que as pessoas trabalham em troca de uma recompensa total, o que chamamos aqui de Recompensa REAL, formada por quatro elementos: salários, benefícios, clima de trabalho e oportunidades de aprendizagem”, conceitua o diretor executivo de Recursos Humanos, Fernando Lanzer Pereira de Souza. “As pessoas trabalham em troca desse conjunto de coisas e a política de benefícios precisa levar em conta este todo”.
Quando o ABN incorporou o Real e o Bandepe, em 1998, precisou rever suas práticas de benefícios e levou a um redesenho da área, propondo uma gestão co-responsável. “Nós queremos que o próprio funcionário assuma a responsabilidade, dando em contrapartida mais autonomia e opções de escolha”, conceitua Lanzer. Dentro disso, todo o pacote inclui uma pequena contribuição do colaborador, que administra o custo e opta pelo benefício.
Em assistência médica, por exemplo, o funcionário arca com 5% do custo para seu benefício, e com 10% do custo para os dependentes. “Conceitualmente, o banco é mais responsável pelo funcionário e é um pouco menos responsável pela família, portanto, é o funcionário que deve se sentir mais responsável por sua família”, prega o executivo. Todos os benefícios oferecidos seguem este mesmo desenho, como plano odontológico, seguro de vida e plano de aposentadoria. Além disso, o funcionário do banco ainda recebe vale-refeição e vale-transporte.
Flexibilização parcial
Apesar desta flexibilidade, Lanzer explica que o banco ainda está longe de aplicar uma política efetiva de benefícios flexíveis. Nela, cada funcionário recebe uma pontuação com a qual pode optar pelo pacote que desejar, com uma possível redistribuição de pontos anualmente. “Este é um bom desenho, porque dá mais autonomia aos funcionários, mas, no nosso caso, o que mais dificulta a implantação deste sistema é a logística, já que somos um banco de varejo distribuído por todo país e fica mais difícil administrar isso em diversos pontos diferentes”, alega.
Seja qual for a política, o fato é que os benefícios não estão vinculados ao desempenho, como é o caso de um plano de incentivos. “Os benefícios são iguais para todo mundo”, determina. “É possível até haver alguma diferenciação em função da escala hierárquica, mas não a empresa não vai deixar de dar assistência médica a quem não cumpriu as metas do ano”, exemplifica. “Já o plano de incentivos é uma recompensa dada a quem realiza alguma coisa, atinge uma meta; nesse sentido não acho que é um benefício, mas faz parte da remuneração”.
A DaimlerChrysler do Brasil não tem uma política de benefícios muito diferente do que é praticado no segmento de montadoras, que inclui assistência médica, sistema de transporte, seguro de vida, seguros opcionais, restaurantes ou vales-refeição, além de facilidades na compra de automóveis da empresa. Mas ao contrário de algumas organizações, a montadora alemã inclui também alguns treinamentos como parte da política de benefícios. “Treinamentos de caráter funcional não são encarados como benefícios, mas aqueles que, além de capacitar também preparem o funcionário para a cidadania, são encarados como uma subvenção”, explica Ricardo Vieira Santos, diretor adjunto de Administração de Pessoal e Serviço Social.
Nesse sentido, a DaimlerChrysler incentiva seus funcionários a concluírem a graduação, pós-graduação, mestrados e até mesmo cursos de idiomas, subvencionando uma parte da educação. “Não cobrimos integralmente porque desejamos que os funcionários também se sintam responsáveis pela sua formação, buscando o autodesenvolvimento e o resultado”, ressalta Santos.
A participação ativa dos funcionários na definição dos pacotes de benefícios foi a forma encontrada pelo RH para torná-los tão valorizados quanto a remuneração. “Acreditamos que quando os colaboradores participam e vêem o custo, além de valorizarem mais, também vão utilizar mais coerentemente os benefícios”, afirma Santos. Esta postura ainda não pode ser caracterizada como uma prática de benefícios flexíveis, a qual é praticada apenas nos altos escalões da empresa.
Para Roberto Hobeika, diretor de RH da TAM, as ultrapassadas regras trabalhistas deram aos benefícios o papel de servir como uma complementação salarial. É neste sentido que uma ampla política vem ganhando cada vez mais espaço na atração e retenção de talentos. “O funcionário tem desejos e necessidades e a empresa precisa ficar atenta a isso, é claro que um bom clima de trabalho conta, mas as necessidades não podem ser esquecidas”, acredita. “É a soma de vários fatores que fazem um talento ficar na organização”, completa. São estas ferramentas que a companhia utiliza para manter os funcionários motivados num turbulento setor como o da aviação.
Para isso, ao entrar na organização, o funcionário passa por um treinamento de integração no qual, além de aprender sobre a estrutura, também conhece toda a política de gestão de pessoas, sobretudo no que se refere a benefícios. “As pessoas precisam saber o que a empresa dá a mais para que possa reconhecê-la como uma boa empresa para trabalhar”, enfatiza Hobeika.
No quadro de benefícios, a empresa oferece um pacote comum a todos os funcionários que inclui seguro-saúde, plano odontológico, seguro de vida, previdência privada, vale-transporte, auxílio-creche (até a criança completar dois anos), além de passagens áreas concedidas por meio de cotas definidas pelo tempo de casa do colaborador. Além disso, os aeroviários (funcionários que trabalham nos serviços terrestres da empresa) ainda recebem vale-alimentação e vale-refeição. Quanto aos aeronautas (pilotos e comissários) recebem outros benefícios assegurados em convenção coletiva, como, por exemplo, a acomodação quando pernoitar outras cidades. Dentro deste pacote estão os benefícios exigidos pela legislação que rege a área e outros cedidos por iniciativa da empresa.
Crédito
O diretor de RH da Bombril, Luiz Antonio Stocco, ressalta que a remuneração e os benefícios são importantes para a retenção e atração de talentos na medida em que o RH entenda que há uma hierarquia de prioridades para o profissional. “Primeiro o funcionário deve receber salários e benefícios que suportem sua condição de vida. Satisfeito isso, então ele pode buscar oportunidades de crescimento e novos desafios”, resume.
A política de benefícios da Bombril não é muito agressiva, apenas reflete as práticas do mercado. O diferencial fica por conta da existência de uma cooperativa de crédito, à qual cerca de 95% dos funcionários são associados. A cooperativa é totalmente independente da empresa que apenas cedeu as instalações e permite os descontos em folha. “Toda a gestão administrativa fica por conta dos funcionários”, ressalta Stocco.
A criação de uma cooperativa de crédito é sempre semelhante nas empresas e com a Bombril não foi diferente: o RH tinha recorrentes solicitações de “vales”, que não podiam ser atendidas. Os funcionários se organizaram, formaram uma “caixinha” que evoluiu para o sistema de cooperativa. “Assim, acabamos com aquele aspecto paternalista do serviço social para tornar o processo mais profissional”, explica.
O executivo acredita que o investimento da empresa deve ser feito no processo educacional, incentivando as pessoas a crescerem e se desenvolverem e não somente focar nos pacotes de benefícios. Nesse sentido, a Bombril incentiva seus operários a continuar os estudos, oferecendo curso supletivo para que completem o primeiro grau. O projeto é estendido a todos os colaboradores das três fábricas, em São Bernardo (SP), Recife (PE) e Sete Lagoas (MG).
Uma das mais antigas cooperativas de crédito do país é a da Caloi, que completou 30 anos. Ela surgiu para atender a uma demanda dos funcionários por alguns benefícios numa época em que esta área não era desenvolvida. Assim, além de empréstimos, a cooperativa também desenvolvia algumas campanhas sociais. Hoje 70% dos funcionários são associados e contam com dois tipos de serviços: o crédito tradicional e as “rapidinhas”, créditos mais rápidos e de menor valor. Seja qual for o tipo de empréstimo, os juros cobrados são abaixo do mercado, o que é uma grande vantagem para os funcionários-associados.
Apesar do desenvolvimento do setor de Recursos Humanos na Caloi, a cooperativa não abandonou totalmente o lado social e dedica 10% do seu lucro para um fundo voltado às ações sociais, atendendo as populações carentes após uma analise das necessidades. “Nós sabemos que o brasileiro tem uma dificuldade em limitar suas demandas a sua renda e, com isso, tem recorrentes problemas financeiros”, resume Ana Carla Loturco Bueno, gerente de RH. “Para o funcionário é ótimo saber que ele tem uma entidade idônea a que pode recorrer, e nós, a empresa, ganhamos funcionários mais motivados e tranqüilos”.
Dentro do pacote de benefícios, a empresa ainda disponibiliza convênio médico para o funcionário, cônjuge e filhos; restaurante, inclusive servindo café da manhã; vale-transporte; estacionamento; cartão de uma rede de supermercados, que substitui a cesta básica; além do seguro de vida optativo. “Também oferecemos diversos convênios, como por exemplo, com papelarias, farmácias, óticas, dentistas; isso facilita o acesso dos colaboradores a este tipo de serviço, pois o desconto é feito em folha e pode ser parcelado”, explica Ana Carla.
A gerente da Caloi acredita que uma política de benefícios bem estruturada pode ser um diferencial para a retenção e atração de talentos, já que só as práticas de remuneração não bastam, pois a tendência das empresas nesta área é somente se alinhar com o mercado. “Nesse sentido, o que vai ter valor para o funcionário é aquilo que agregar para ele, como os benefícios, o ambiente e as oportunidades”. Mas faz um alerta, “se a empresa não tiver uma política bem definida, vai acabar caindo no paternalismo, e isso não é saudável para a empresa”.
Para onde caminha o setor de Benefícios
Se tratada de forma estratégica, a política de benefícios pode tornar-se uma importante ferramenta de marketing para a empresa
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