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Por Simone Fernandes
A palavra é tão esquisita que parece o nome de algum pecado. Adiar compromissos e tarefas, ou “procrastinar”, é um dos grandes ladrões de tempo que fazem parte do cotidiano corporativo – e pessoal. Se você não é um procrastinador, conhece algum. Se você não postergou um trabalho hoje, provavelmente vai postergar algum amanhã. É um costume tão institucionalizado que virou um divertido bordão de marca de cerveja: “Dá para tomar uma Kaiser antes?”.
O que poucos sabem é que a procrastinação não é uma característica inata da personalidade – apesar de parecer incurável para algumas pessoas. As raízes do problema estão ligadas aos hábitos herdados pela pessoa que tem o costume de deixar os deveres para depois. “É um modelo mental equivocado, um condicionamento desenvolvido de forma errada”, avalia Wilson Mileris, especializado em gestão de pessoas. Em outras palavras, procrastinação vem de casa.
Ana Lúcia Matos de Santa Isabel, professora e consultora do Instituto Avançado de Desenvolvimento Intelectual (Insadi), garante que o procrastinador traz esse comportamento dos grupos com os quais conviveu ao longo da vida. Se uma criança cresce ouvindo em sua família conhecidos ditados como “não é sangria desatada”, e vê aceitos os pedidos de “depois eu vou”, o resultado é quase inevitável: cedo ou tarde ela acaba criando o hábito de burlar a pontualidade. O efeito é um tanto inconveniente. A criança se torna aquele típico aluno que não estuda para a prova ou o profissional que não apronta o relatório no prazo definido.
Segundo Maria Elisa Galvão Menezes, que comanda a consultoria Síntese, especializada em gestão de pessoas, “se os pais não incutiram nos filhos o hábito de ter uma mesa organizada para trabalhar, horário específico para estudar, eles não vão desenvolver isso. Serão pessoas que vão abraçar muitas atividades e vão procrastinar”, define ela. Apesar de surgir na família, o hábito de postergar não é uma característica genética: ninguém nasce organizado ou desorganizado. A causa também não é qualquer tipo de trauma na infância. O comportamento é construído pelo costume. Por exemplo, a criança tinha de fazer o dever de casa e, em vez disso, foi arrumar as gavetas. Se a mãe aceita essa desculpa, a criança pode desenvolver o hábito de utilizá-la sempre – especialmente para evitar o enfrentamento das coisas mais importantes na escola e na futura profissão. “Quando crescer, ela terá de aprender a gerenciar o tempo na marra”, ressalta Maria Elisa. O que será muito mais doloroso, é claro.
Quando vêem que o tempo se esgotou e que a tarefa não está pronta, os proteladores se agarram à esperança em verdadeiros milagres para se safar – por exemplo, torcem para que uma reunião seja cancelada. É o que os gregos chamavam de “deus ex machina”: aquele fato ou personagem miraculoso que surge de repente e salva o dia. Mesmo sabendo que essa probabilidade é muito remota, o procrastinador espera por esse fato novo e promete que, da próxima vez, se comportará de outra forma. “Mas ele vai continuar não cumprindo os prazos, vai continuar empurrando, sofrendo disso que se pode chamar de ‘amanhãzite’, a síndrome de deixar para amanhã”, analisa Ana Lúcia, do Insadi.
O problema costuma ser mais comum entre adultos jovens, conforme relata a psicóloga Débora Dell’Aglio, professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mas muitos adultos continuam adiando as tarefas ao longo da vida simplesmente porque essa atitude é aceita em seu grupo social. Nas empresas, o costume de procrastinar é um problema grave, mas tolerado. “Afinal, a maioria das pessoas procrastina, por isso não tem estrutura moral para cobrar dos outros. É um vício socialmente aceito, perdoável”, sustenta Ana Lúcia. Como esse comportamento é generalizado e está incorporado à vida das pessoas, o mundo corporativo sofre do mal na mesma proporção.
Excesso de tarefas – reuniões de última hora, e-mails, telefone tocando, problemas inesperados que exigem uma solução imediata. Nesse ágil cenário corporativo, a procrastinação parece estar ganhando importância. “Talvez seja por essa demanda crescente por velocidade que a procrastinação hoje chame mais a atenção do que algumas décadas atrás”, reflete Débora. Com o aumento da concorrência e a aceleração de processos de produção, o mercado exige respostas mais rápidas dos profissionais. Por isso, alguns especialistas apontam o excesso de atividades como uma das razões da procrastinação, que está atingindo até as pessoas consideradas organizadas. “A situação está complicada mesmo. Se me chamassem para um curso de administração de tempo, hoje, eu não aceitaria de jeito nenhum”, brinca Luis Felipe Cortoni, diretor da LCZ Consultoria, especializada em gestão de recursos humanos, de São Paulo. O consultor acredita que palestras sobre o assunto não são suficientes para atenuar a desordem que se instala durante a rotina alucinante de boa parte dos profissionais.
Conforme Cássio Mattos, consultor e membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), fugir da procrastinação é uma verdadeira arte hoje em dia. Além das freqüentes distrações que minam a concentração, os prazos não param de diminuir. Quanto mais a tecnologia acelera os processos, na mesma proporção diminui a paciência de clientes, chefes ou colegas para perdoar atrasos.
Diante de tanto trabalho, as pessoas geralmente protelam as tarefas mais difíceis, chatas ou longas – ainda que algumas delas também sejam muito importantes. “Você faz o que é menos importante e aí diz que não tem tempo para o importante”, destaca Manuela Victora, diretora da Powerself, consultoria especializada em gestão do tempo, de Porto Alegre. Ou seja, para não se sentir completamente inútil, o profissional “enrola” cumprindo tarefas menos relevantes. E as tarefas que realmente agregam valor à vida ou ao trabalho quase sempre são aquelas mais complexas, que precisam de planejamento para ser concluídas, como uma viagem ou um novo negócio.
Um dos desafios para as empresas é sensibilizar o funcionário a cumprir deveres que não parecem importantes. A solução, nesse caso, é o diálogo. O profissional que precisa da tarefa cumprida deve conversar com quem irá executá-la e enfatizar a importância do trabalho.
Também são motivos para procrastinar a falta de recursos ou a inexistência de um prazo claro. No caso da falta de recursos, a situação piora se o indivíduo é perfeccionista e só começa o seu trabalho sob condições ideais. Quem se apega muito aos detalhes acaba não fazendo nada. No outro extremo estão os profissionais que tentam fazer tudo ao mesmo tempo. Começam várias tarefas e não terminam nenhuma. A solução, sem dúvida, é assumir uma atividade de cada vez – e ordená-las. “É preciso se manter no presente e diminuir os riscos de dispersão, que acontece sempre com quem faz muita coisa ao mesmo tempo”, recomenda Luciana Saldanha, psicóloga e consultora da Produtive Outplacement e Planejamento de Carreira.
Mal do adiamento
Em princípio, postergar trabalhos de vez em quando não traz maiores conseqüências para a carreira. O problema é quando esse impulso se torna a regra. Aí, sim, o hábito provavelmente prejudicará o desempenho do profissional ou até deteriorará o relacionamento com as pessoas que convivem com o procrastinador. “A procrastinação existe em todas as pessoas, mas em algumas é mais grave”, atesta Cássio Mattos, da ABRH. Se esse comportamento se torna o padrão de funcionamento, pode até gerar doenças. “Em vez de resolver o problema e, com isso aliviar a tensão, a pessoa fica prorrogando e se mantém num ciclo constante de ansiedade”, diagnostica a professora Débora Dell’Aglio, da UFRGS.
A reação do profissional ao seu próprio comportamento depende muito da sua personalidade. Algumas pessoas se sentem frustradas pela baixa produtividade em razão da procrastinação, como se fossem incapazes de cumprir as metas. Outras, no entanto, encaram o adiamento de tarefas como uma filosofia de vida. Um exemplo são aquelas pessoas que não acreditam que devem se submeter aos horários da vida moderna. Estão decididas a respeitar o seu próprio ritmo, não querem mudar e decidem trabalhar somente com quem aceita conviver num vagaroso compasso. “Nesses casos, a procrastinação tem um componente ideológico. O cara pensa: eu sou mais calmo, nunca liguei para tempo”, ressalta Luis Felipe Cortoni, da LCZ Consultoria.
A realidade é que são poucos os que podem cultivar o hábito do adiamento. A maioria dos profissionais precisa cumprir prazos para manter o seu emprego, e quem não consegue acaba ficando pelo caminho. “A nossa sociedade funciona seguindo uma linha de tempo. A pessoa que não segue essas regras não se adaptará”, explica Débora Dell’Aglio. E a falta de adaptação pode se transformar num transtorno psicológico se o profissional não conseguir mudar seus costumes. Noites mal dormidas e baixa auto-estima são alguns sintomas. Se ignorados, o indivíduo pode desenvolver traços de depressão. “Sofre a pessoa que é responsável, mas não tem método”, diz Cássio Mattos, da ABRH.
Rapidez e eficiência
Por causa da atual demanda por eficiência, os profissionais com problemas de pontualidade precisam encontrar alternativas. “As empresas buscam pessoas que realizem, e não que enrolem”, define Paulo Kretly, presidente da FranklinCovey Brasil, consultoria de planejamento de carreira. Sem dúvida, a mudança é difícil e passa pelo auto-conhecimento. O primeiro passo é admitir que o comportamento prejudica a carreira e os relacionamentos. Depois, cai bem uma análise sobre a sua habilidade com o tempo no decorrer da vida. “A percepção do tempo é muito subjetiva”, nota Débora Dell’Aglio. Para saber qual é a sua imagem perante os outros, basta procurar a opinião de colegas. O essencial, no início, é colocar o problema em discussão. A partir da constatação de que é um protelador recorrente, procurar ajuda – pode ser um livro, um curso, um grupo de discussão ou uma terapia. Depende de cada um.
Uma agenda de prioridades foi o método que funcionou com Oscar Salamoni Hahn, 37 anos, gerente de pesquisa e desenvolvimento da ADP Brasil em Porto Alegre. Gerenciando uma equipe de nove pessoas, ele trabalhava de 12 a 14 horas por dia inclusive nos finais de semana – nunca tinha tempo para nada fora do trabalho. No início de 2004, depois de ler um livro e fazer um curso, adotou uma agenda para organizar a rotina. Desde então, ele planeja quanto tempo ocupará em cada uma das suas atividades e, sem vacilar, marca o espaço na agenda. E só aceita novos compromissos se houver algum intervalo livre. “Como eu não me organizava, eu terminava fazendo coisas que não eram da minha responsabilidade, porque eu achava que tinha tempo. Qualquer coisa que me pediam, eu aceitava fazer”, relembra. Hoje, Salamoni garante que trabalha de oito a nove horas por dia e não ocupa mais seus finais de semana com assuntos profissionais. Sua vida familiar também está mais tranqüila. Começou a jogar futebol uma vez por semana e ainda vai cursar um MBA. E isso que, agora, sua equipe é de 34 pessoas.
A chave para o fim dos adiamentos é vontade e disciplina. Paulo Kretly lembra uma música de Renato Russo, Há Tempos , que diz: “disciplina é liberdade”. Quem cumpre os horários, diz ele, pode ir embora às cinco da tarde e ficar com a família, praticar algum esporte e fazer outras coisas – até tomar uma Kaiser.
 

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