Carreiras | Empregos

Fonte: Revista Amanhã

Eles são empregados e empresários e, a rigor, não são nem uma coisa, nem outra. Formam uma terceira espécie, híbrida, ainda ignorada pelas estatísticas – embora abrigue um número cada vez maior de brasileiros

Quando a tarde cai e o economista carioca Armando Gomes pode, enfim, afrouxar a gravata, sua jornada ainda está longe do fim. Depois de um longo expediente como funcionário público do município do Rio de Janeiro, cedido ao Palácio Guanabara, Gomes toma o caminho do Bar e Restaurante Urca, também conhecido como Bar Tabajara, porque fica ao lado de um edifício com este nome. Quando chega, seu pai já o espera, e não é para um chopinho regado a conversa sobre futebol ou a respeito das atribulações de Gomes, hoje no posto de subsecretário adjunto de Planejamento do Estado do Rio.
Ele vai para o balcão e comanda o negócio que lhe consome as horas de folga e até os fins de semana – mas que o motiva tanto quanto os estudos e projetos sobre desenvolvimento regional que toca na secretaria. “Tenho sangue empreendedor nas veias”, diz. Há uma outra razão mais – digamos – pragmática. “Se não fosse o bar, meu dinheiro terminaria na metade do mês.”
Pode-se considerar que pessoas do nível profissional de Armando Gomes não se parecem com o chamado “brasileiro comum” – e é verdade. Ele nasceu dentro de uma pequena empresa mantida pelo pai, tem formação em economia, já trabalhou como consultor de grandes companhias como Belgo Mineira e CSN. Engana-se, contudo, quem imaginar que o sonho de aventurar-se na vida empresarial é permitido apenas a uma minúscula casta de assalariados.
Olhe para Cléo Santana. A rotina desta paulistana de 25 anos começa bem cedo. Já às 7h30min da manhã, ela está numa das obras da Empreiteira Santana Ltda., pequena empresa que administra junto com a irmã, Vilma. Lá pelas nove e meia, tira o capacete usado para inspecionar a construção e se abala para a Biofórmula Farmácia de Manipulação, na zona sul da capital paulista, onde trabalha desde 1988. De origem humilde, Cléo chegou à Biofórmula como datilógrafa por um salário equivalente a R$ 200. Logo mostrou que não se contentava em apenas realizar suas tarefas. Perguntando daqui e dali, queria saber do trabalho de todo o setor administrativo e financeiro da Biofórmula – e, às vezes, até do jurídico e do RH.
O jeito despachado a remeteu, dois anos atrás, ao cargo de gerente, com um salário de R$ 2.500. Foi quando começou a esboçar seu próprio negócio. A escolha do ramo de construção, um ambiente normalmente hostil às mulheres, veio ao natural: desde a infância, via seu pai na lida diária de construir e reformar prédios e casas na região do ABC, onde a família vive até hoje. O pai, aliás, é seu braço direito na empreiteira. “Ele entra com a experiência para supervisionar obras e eu, com a vocação para a gestão financeira e administrativa do negócio”, diz Cléo, que no primeiro ano executou dez pequenas obras e pôde festejar um faturamento total de R$ 80 mil.
“O BRASILEIRO VAI PERCEBENDO QUE SUA VIDA JÁ NÃO GIRA EXCLUSIVAMENTE EM TORNO DA CARTEIRA ASSINADA.”
A história de Cléo ilustra à perfeição a trajetória dos empregados-empresários, uma categoria ainda desconhecida pelas estatísticas, mas que ganha cada vez mais adeptos, à medida que o brasileiro vai percebendo que sua vida já não gira exclusivamente em torno de um emprego, como aconteceu com seus pais. Eles não cabem no figurino de um trabalhador comum, pois são movidos pelo desejo de arriscar, de ser donos do próprio nariz. Também não são empreendedores no sentido clássico do termo, pois de alguma forma estão ancorados a um crachá de funcionário, com direito a holerite mensal, 13º salário, férias – e relutam em trocar estas regalias por uma aposta radical no risco de um negócio novo.
Boa parte destes brasileiros é feita de náufragos da era do emprego estável. “Eles vêem os colegas sendo demitidos, já não se sentem seguros com seu emprego”, interpreta Lauro Ramos, o coordenador de estudos sobre o mercado de trabalho realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Nos anos 90, o número de pessoas que se estabeleceu por conta própria cresceu bastante, a ponto de representar, hoje, nada menos do que 24% do universo de trabalhadores.

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