por Camila Micheletti
Polêmico, afirma que em essência o RH das empresas em geral não mudou nada todos esses anos. “De que adianta saber de cór a CLT e não conhecer os sentimentos dos funcionários? O bom profissional de RH deve usar a maior parte do seu tempo para conhecer as pessoas e conversar com elas. Se ele conseguir passar reto pela fábrica ou pelos departamentos sem ser chamado pelos colaboradores, ele não é um bom profissional de RH”, alfineta ele. “Ao contrário do que acontece em muitas empresas, nenhum colaborador deve temer o RH, mas sim sentir-se apoiado por ele”, completa.
Em entrevista exclusiva ao Empregos.com.br, Floriano Serra, fala sobre a importância da felicidade e do bem-estar dos funcionários na empresa e faz uma retrospectiva da sua trajetória – intimamente ligada à história do RH nas empresas brasileiras. Há sete meses, Floriano optou por deixar a carreira de bem sucedido consultor que desempenhava há vários anos para ser o primeiro diretor de Recursos Humanos e Qualidade de Vida da Apsen Farmacêutica, indústria 100% brasileira que está há 30 anos no mercado.
Com aproximadamente 430 funcionários, a Apsen está no 40º lugar entre as maiores empresas do ramo. É parte importante deste mercado, que gera 4 bilhões e 200 milhões de dólares e não pára de crescer. “Apesar da retração que congelou o mercado farmacêutico em 2003, crescemos 20% a mais em relação a 2002”. Floriano deve este crescimento a 3 fatores: “comprometimento dos funcionários, qualidade e preço dos produtos”.
Floriano comenta ainda o recebimento, ano passado, da certificação “Empresa Legal”, selo de qualidade criado este ano pela ONG Instituto Motiva de Educação Comunitária e Desenvolvimento Local e do Prêmio AAPSA de RH, que ganhou pelo seu trabalho na farmacêutica, e analisa as recentes e visíveis mudanças na “alma” da organização. Confira!
Empregos.com.br: Em quais segmentos a Apsen atua? Quais os produtos mais fortes?
Floriano Serra: A Apsen atua nos setores de urologia, neurologia, reumatologia e otorrinolaringologia. Os produtos mais famosos são: MIOSAN (relaxante muscular), UNOPROST (hiperplasia prostática benigna), LABIRIN (Antivertiginoso), LEVOXIN (Trato urinário e das vias aéreas superiores e inferiores) e POSTEC (Tratamento clínico tópico da fimose).
Empregos.com.br: A redução de pessoal se tornou uma constante na indústria farmacêutica, principalmente nas multinacionais. Na sua opinião, isso é realmente uma tendência? Por quê?
Floriano Serra: O mercado farmacêutico vem passando por uma forte crise em virtude dos genéricos, dos produtos fitoterápicos e de outros aspectos ligados a controle governamental de preços. Mas a Apsen está indo contra essa tendência, está crescendo e contratando.
Empregos.com.br: É cada vez maior o número de fusões entre empresas do setor farmacêutico. Existe alguma possibilidade de fusão no futuro?
Floriano Serra: Como qualquer negócio, se surgirem oportunidades de compra estaremos analisando. Entretanto, a possibilidade de venda da Apsen está totalmente fora de cogitação.
Empregos.com.br: A Apsen exporta para outros países?
Floriano Serra: Ainda não exportamos. Este é um dos projetos que pretendemos viabilizar em breve.
Empregos.com.br: Você assumiu a diretoria de RH da Apsen em agosto de 2003. Quais as mudanças que já podem ser notadas nesses 7 meses?
Floriano Serra: As mudanças mais visíveis são a melhoria da qualidade de vida e da conseqüente motivação dos funcionários. A Apsen é uma empresa onde se trabalha feliz, o grau de felicidade aqui é grande e constante. Isso ocorre porque há uma comunicação aberta com o colaborador: Há liberdade de expressão. Qualquer funcionário pode enviar e-mails para o presidente ou conversar abertamente com ele. Para isso, temos quinzenalmente o “Bate-Papo com o Presidente” e vários outros eventos de integração. Mas o nosso grande diferencial, que garantiu o Prêmio AAPSA de RH e a certificação “Empresa Legal” e tem gerado muita repercussão, é nossa “Declaração Apsen dos Direitos do Funcionário”. Este documento contém tudo aquilo que o funcionário tem direito para exercer um bom trabalho e ser feliz, como por exemplo “ser respeitado na sua auto-estima”, “ter direito ao erro quando tenta acertar”, “ter liberdade de expressão”, “expressar suas emoções”, “não sofrer qualquer tipo de discriminação ou preconceito”, “receber avaliação constante de seu desempenho” e, claro, “o direito a ser feliz no trabalho”. Esta Declaração faz parte da Constituição Apsen, que inclui também um Código de Ética, que indica como a empresa e os colaboradores devem se comportar perante a comunidade, e o Guia Apsen de Conduta, que define as regras da boa convivência na empresa.
Empregos.com.br: A idéia é mesmo inovadora e muito bonita, mas como colocá-la em prática e evitar que ela vire apenas um enfeite de parede?
Floriano Serra: Isso não é tão difícil quanto parece: basta colocar os indivíduos acima dos números. E quando falo isso é porque aqui seguimos à risca a Declaração, mas sem deixar de sermos competentes, profissionais e competitivos. Prova disso é o crescimento de 20% em relação a 2002.
Empregos.com.br: Qual a importância do Prêmio AAPSA de RH para a empresa e para você?
Floriano Serra: Claro que, do ponto de vista de realização profissional, é muito bom receber um prêmio como este, mas melhor ainda é a prática da ação que resultou no prêmio. O importante é que as pessoas fiquem sabendo que é viável e lucrativo ter felicidade no trabalho. O Prêmio teve uma ótima repercussão, muitas empresas me procuraram para obter um exemplar da Constituição Apsen, e principalmente da Declaração Apsen dos Direitos dos Funcionários e poder usá-los na empresa onde trabalham.
Empregos.com.br: Qual o perfil de profissional desejado pela Apsen?
Floriano Serra: Na Apsen buscamos competências diferentes daquelas buscadas pela maioria das outras empresas, porque, como já disse, priorizamos o indivíduo mais que o técnico. Por isso as competências que buscamos nos candidatos podem ser vistas como atípicas. Quer um exemplo? Espiritualidade é uma delas. Antes de saber se o profissional é um “expert” em qualquer coisa, queremos saber se ele é um “expert” em gente. Ou seja, além da inteligência racional, da inteligência emocional, ele deve ter a inteligência espiritual, que significa ter solidariedade, ser generoso e não egoísta, saber pensar coletivamente. Claro que o profissional buscado deve ser competente, mas não pode ser competente, egoísta e mau humorado.
Empregos.com.br: Mas como você faz para identificar o profissional que tenha essas características?
Floriano Serra: Nossa equipe de recrutamento e seleção é treinada para usar o “feeling”, a percepção, a intuição. Isso é melhor que qualquer teste. Aqui na Apsen utilizamos a “entrevista por inteligência espiritual”. É uma técnica que busca conhecer a essência das pessoas e não apenas suas habilidades e conhecimentos. Neste tipo de entrevista perguntamos, por exemplo, quantas vezes a pessoa assistiu a um pôr-do-sol este ano, se ele sabe qual é o sua missão no mundo, e vai por aí. Depois, claro, vem a apreciação dos dados acadêmicos, das experiências profissionais, etc.
Empregos.com.br: O RH na Aspen é estratégico? Por quê?
Floriano Serra: Sim, nosso RH é eminentemente estratégico. Concordo que o RH precisa entender do negócio da empresa e participar ativamente das suas principais decisões ligadas ao negócio, mas a melhor e mais eficaz estratégia do RH é produzir, possibilitar e permitir a felicidade das pessoas. Todo o resto é decorrência disso.
Empregos.com.br: Vocês investem em treinamento? A empresa faz e-learning?
Floriano Serra: Investimos bastante em treinamento. Tanto que os funcionários que querem fazer cursos relacionados ao negócio da empresa têm 50% dos custos pagos pela Apsen. O treinamento à distância está sendo implantado agora, e a intenção é termos uma universidade corporativa em breve.
Empregos.com.br: Você atua há mais de 30 anos em RH. O que mudou nesses anos todos?
Floriano Serra: Esta resposta pode desagradar a muita gente, mas eu acho que mudou muito pouco, quase nada. Muitos profissionais ainda têm a CLT em cima da mesa e se gabam de ter memorizado a lei inteirinha. Mas eu pergunto: de que adianta saber de cór a CLT e não conhecer os sentimentos dos funcionários, seus sonhos, suas expectativas, seu nível de bem-estar? O bom profissional de RH deve usar a maior parte do seu tempo para conhecer as pessoas e conversar com elas. Se ele conseguir passar reto pela fábrica ou pelos departamentos sem ser chamado pelos colaboradores, ele provavelmente não é um bom profissional de RH”, alfineta ele, que conclui: “Ao contrário do que acontece em muitas empresas, nenhum colaborador deve temer o RH, mas sim sentir-se apoiado por ele”.
Empregos.com.br: Você é diretor-presidente do IPAT, Instituto Paulista de Análise Transacional. O que é análise transacional e como ela pode ser utilizada nas organizações?
Floriano Serra: É um instrumento da psicologia voltado para o estudo do comportamento e da comunicação. A análise transacional propõe modelos que mostram porque você se comporta desta ou daquela maneira. São 3 fontes principais, chamadas de Estados do Ego : Pai (induz ao comportamento tradicional, levado pelo comando interno de “devo”), Adulto (induz ao comportamento racional, através do comando “convém”) e a Criança (que gera o comportamento mais emocional, baseado na busca da satisfação). Um profissional equilibrado tem esses três Estados do Ego (Pai, Adulto e Criança) bem desenvolvidos e os usa de forma equilibrada e adequada.
Empregos.com.br: No livro “O Gerente que veio do Céu” (Ed. Gente) você propõe um estilo de liderança humano, justo e bem-humorado, sem prejuízo dos resultados buscados pela empresa. Como isso é possível na prática?
Floriano Serra: A primeira dica é acreditar que é possível. A segunda é cada gestor fazer uma reflexão e uma revisão dos seus paradigmas e, se necessário, atualizá-los para as novas exigências e tendencias na condução de pessoas e negócios. Eu acho que este é o perfil de líder que vai estar nas empresas a partir de agora. Os autoritários e mal-humorados estão com seus dias contados, definitivamente.
Empregos.com.br: Quais são os seus próximos projetos? Algum livro em andamento?
Floriano Serra: Quando convidado, continuo dando palestras sobre comportamento, obviamente que agora num ritmo bem menor, diante das minhas atribuições como Diretor de RH e Qualidade de Vida da APSEN Farmacêutica, missão na qual estou completamente envolvido. Também continuo escrevendo artigos sobre comportamento, que são publicados em mais de uma dezenas de sites de RH, revistas e jornais. Quanto ao novo livro, nos próximos meses devo lançar “A Terceira Inteligência”, livro que fala sobre o uso da dimensão espiritual no trabalho. Vou dar um histórico da famosa inteligência racional e fazer o contraponto com a inteligência emocional. As pessoas pensam sempre assim: Vou fazer isso porque me agrada ou me convém”. Ok, mas e quanto aos outros? As pessoas precisam parar de ser egoístas e pensar mais globalmente, avaliar qual a repercussão da sua ação para as demais pessoas, para a empresa e para a comunidade.
Floriano Serra, diretor de RH e qualidade de vida da Apsen Farmacêutica
Ele tem mais de 30 anos de Recursos Humanos. Passou pela fase do DP, do cartão de ponto, da inteligência emocional e, mais recentemente, do RH dito “unidade de negócios”.
Avalie:
Comentários 0 comentário