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Raimundo das Neves, casado e pai de filhos pequenos, espera ser reintegrado à empresa em uma função compatível com suas condições de saúde. Vive uma batalha para que seu caso volte a ser caracterizado pelo INSS como doença do trabalho, o que poderia lhe assegurar estabilidade de um ano. Laudos de médicos do sindicato e do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Estado de São Paulo (Cerest) atestaram que o sofrimento mental de Raimundo tem origem na organização do trabalho, que teria demandado um esforço exagerado para alcançar as metas de produção.
Lúcia Rodrigues, separada e mãe de dois filhos, teve o punho direito operado, mas conseguiu recuperar apenas parte dos movimentos perdidos. Da lista de doenças que exibe, as mais graves são síndrome do túnel do carpo (uma compressão do nervo mediano do punho) e tendinite nos braços, ambas Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort), nome mais abrangente para as conhecidas e temidas Lesões por Esforços Repetitivos (LER). Os problemas de Lúcia foram reconhecidos como doença do trabalho. Entre 1998 e março deste ano, ela foi atendida por um grupo multidisciplinar do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde também fez tratamento neurológico e psicológico.
Os nomes Raimundo e Lúcia escondem a verdadeira identidade de dois trabalhadores paulistas. Raimundo foi fotografado com a condição de ficar no anonimato. Os casos mostram o outro lado da moeda da modernização das empresas brasileiras. Não chegam a ser novidade no universo fabril, desde que a Revolução Industrial deu as caras na Inglaterra do século passado. O novo – e preocupante – é que a agregação de tecnologias e a batalha competitiva no mercado, aliadas à ameaça de desemprego, criaram um terreno fértil para o agravamento do estresse e dos transtornos à saúde a ele associados, como dores de cabeça, problemas gástricos, depressão, síndrome do pânico, propensão ao suicídio e Dort.
A tendência, na avaliação dos especialistas, é de que a reestruturação produtiva ajude o Brasil a se libertar do vergonhoso título de campeão mundial em acidentes de trabalho, mas acabe aprofundando o quadro de transtornos mentais e físicos motivados pelo estresse.
Em meio à escassez de estatísticas sobre o tema, uma pesquisa da médica Margarida Barreto, feita entre 1994 e 1998, com 2.072 trabalhadores que procuraram o serviço de saúde do sindicato dos químicos de São Paulo, aciona o sinal de alerta. Coordenadora do curso de especialização em Medicina do Trabalho da Faculdade de Ciências Médicas (FCF) da Santa Casa, em São Paulo, a médica verificou que 42% dos trabalhadores relataram situações desencadeadoras de estresse. Sobrecarga de trabalho (produção máxima no menor tempo), medo de não saber fazer a tarefa (gerando temor da perda de emprego) e violência psicológica, segundo o estudo, traduzida em amedrontamento, ofensas e intimidações por parte das chefias e dos colegas.
“Boa parte dos operários recorria ao serviço de saúde do sindicato por causa da insatisfação com o atendimento do médico da empresa”, revela Margarida Barreto. “É prática generalizada entre esses médicos sonegar aos operários atestados de saúde ocupacional e resultados de exames, e passar para o departamento pessoal informações que teoricamente são protegidas pelo sigilo médico”, denuncia a especialista.
Em função do volume expressivo de reclamações sobre o mau atendimento prestado por médicos de empresas, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) emitiu em 1996 uma resolução com diretrizes para os profissionais de medicina do trabalho. A norma foi praticamente reproduzida para todo o país, no ano passado, pelo Conselho Federal de Medicina. A resolução do Cremesp determina que o médico deve estabelecer o nexo entre a organização do trabalho e os transtornos de saúde. Para isso, é preciso ouvir depoimentos, que relatem a experiência dos trabalhadores e contribuam para a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos e de estresse.

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