Carreiras | Empregos

Há mais de 30 anos trabalhando com treinamento de executivos, diretores e gerentes de empresas dos mais variados portes, pude notar que duas das questões que mais afligem esses profissionais nos últimos anos são: como fazer carreira em uma empresa familiar e se isso vale a pena.
A reflexão muitas vezes se embasa em: “Fiz uma faculdade de ponta, será que não mereço uma oportunidade melhor?” Atualmente, conforme a realidade do mercado de trabalho, são perguntas oportunas, pois nos levam à reflexão sobre a nossa vida profissional, mas inadequadas por várias razões.
Podemos citar duas. Primeira: a agilidade e necessidade de mão-de-obra especializada apontam para o conceito de empregabilidade e não de emprego, ou seja, onde eu posso vender a minha competência profissional. Essa venda pode se dar por meio de vínculo empregatício, como autônomo, empresário ou como prestadora de serviço. Segunda: hoje é mito pensar que empresa familiar tem menor importância. Grandes corporações começaram como companhias de família, sendo a Ford um dos exemplos mais conhecidos.
Outras são grandes e permanecem familiares, como as do Grupo Votorantim. O ponto central é se o negócio da companhia familiar tem um bom potencial. Isto significa, como conseqüência, que a hipótese de crescer junto com a companhia é concreta. Atente para o fato de estarmos falando de empresas com um bom potencial de negócio, o que nos remete também para corporações de pequeno e médio porte. Só para nos situarmos no tipo de empresa em questão, pensemos na TAM, que quando iniciou suas atividades, fazia apenas vôos domésticos curtos.
Vale a pena crescer em uma empresa familiar e mesmo para você, que fez uma faculdade de ponta, essa pode ser uma grande oportunidade de desenvolvimento profissional. Ainda temos a primeira dúvida: “Como posso sobreviver e crescer profissionalmente em uma empresa familiar?”.
O primeiro passo é conquistar confiança e credibilidade dos familiares que acompanham o dia-a-dia da empresa. Isso se dará por meio de condutas éticas. Essa é, com certeza, uma base sólida para a sua carreira. Mas cuidado! Toda moeda tem dois lados. No começo esses vetores podem ser até suficientes para o início do seu progresso organizacional, porém não é tudo.
Se você destinar todo o seu empenho para crescer em uma empresa familiar nos conceitos confiança e credibilidade corre o risco de deitar no berço das acomodações. E isso fará de você um profissional que apenas repete tradições, com explicações eivadas no famoso “sempre foi assim”, “em time que está ganhando, não se mexe” etc., ou seja, ultrapassado. Em outras palavras: a realidade muda.
Hoje, falar no “muro de Berlim” é coisa do passado. Na época, parecia algo imutável. A PanAm (quem se lembra dela?) era um símbolo de empresa aérea próspera. Assim como as grandes organizações estão sujeitas a terminar, executivos também podem encerrar suas carreiras se não as planejarem com atenção e pró-atividade. Precisamos continuamente ficar de olho no nosso painel de controle, pois mudanças acontecem e correções de rumo devem ser implementadas.
A agilidade para acompanhar as transformações é a meta de dez entre dez empresas e, se você trabalha em uma empresa familiar de médio ou pequeno porte, saiba que esse é o diferencial da companhia, já que competir com as grandes em preços ou condições de pagamentos é muito difícil.
Profissional que não se mostra atento e que não sugere mudanças na corporação onde trabalha está com o prazo de validade vencido. Mentes e corações devem estar focados em inovações, pois problemas novos, internos ou externos, requerem soluções novas e a cada nova solução surge um novo problema a ser equacionado. Aqui, ser pró-ativo significa procurar sempre se antecipar a problemas, isto é, se algo não funciona conforme o previsto, deve-se ter pelo menos uma idéia do que fazer. Mas fique atento! Inovações significam mudanças, que podem afetar posições de poder.
Como regra geral, é melhor fazer mudanças no sentido da evolução, e não da revolução. Revolução é mais indicada para situações de exceção, pois exigem manobras bruscas e sempre deixam seqüelas. Vale o ensinamento de Tancredo Neves, que falava em tradição com ruptura. Por outro lado, quando as condições objetivas claramente apontarem para uma revolução, não hesite, faça-a e esteja consciente sobre todos os riscos que isto significa.
Para inovar não basta querer ou ter criatividade, que são, sem dúvida, elementos indispensáveis para uma mudança. É importante, com habilidade política, fugir da figura do funcionário “sim senhor”, pois nem sempre o que os “patrões” querem é o melhor para a empresa. Além das habilidades pessoais, é fundamental desenvolver continuamente as suas competências profissionais e potencialidades.
Não há receita segura, a natureza humana e os movimentos do mercado são excessivamente complexos para enquadrar-se em raciocínios simplistas. Ler tendências, utilizar teorias modernas para compreender esse mundo globalizado, são paradigmas úteis mas não definitivos. Em outras palavras MBAs, treinamentos de desenvolvimento das nossas habilidades, leituras de livros atuais sobre administração, comportamentos individuais e coletivos são essenciais – mas aí reside a ironia: não prescinda do seu espírito crítico para a criação dos seus próprios modelos de atuação profissional. Em síntese, você precisará sempre de educação continuada somada à sua percepção profissional.
Além disso, é importante estar 100% na empresa familiar, mas de olho no mercado. De um lado, facilita a geração da lealdade, sempre tão necessária, principalmente quando os donos do negócio estão mais próximos. E de outra parte, não abdicar de sua carreira. Você é o dono da sua carreira. O momento que você passa nessa empresa pode ser único, mas isto não é uma certeza de parte a parte, nem você pode considerar como definitivo, nem a família pode lhe garantir. Uma dica interessante para funcionar como bússola da sua carreira é sempre merecer ganhar mais do que ganho atualmente.
A empresa ficará preocupada em não perdê-lo e você será menos dependente do seu emprego e mais competitivo no mercado. Vamos imaginar agora uma situação aparentemente mais cômoda: e se eu sou o filho do patrão? Fácil: utiliza o poder do papai e escolhe uma posição de destaque dentro da empresa. Ledo engano! Você poderá, dessa maneira, até ter o poder de posição, mas não o respeito profissional dos colaboradores da companhia.
Como regra geral, é preciso que você, como qualquer outro colaborador que quer ser contratado, tenha um currículo. Vale angariar sucessos profissionais em outras empresas e chegar à companhia de sua família com referências. Elas são as medalhas conquistadas para conseguir o respeito dos seus colegas de trabalho.
Por último, respeitar a cultura familiar da corporação (que é a base dos valores da empresa) sem, no entanto, sucumbir totalmente a ela. Há valores que devem ser mudados, até para perpetuação da empresa. Aqui vale trabalhar não somente com o enfoque da mudança da cultura e sim em ser um agente da formação de uma cultura da mudança, princípio já trabalhado pela antropóloga Maria das Graças de Pinho Tavares, que explorou isso no seu livro Cultura Organizacional.
*Nelson Moschetti é advogado, sociólogo e diretor de RH da RCS Consultores.

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