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Por Tom Coelho*
“A botinha representa a nossa caminhada na vida. Subi e desci. Andei depressa e devagar. Cansei e descansei. Entristeci e me alegrei. E, assim, sempre caminhei. Hoje estou gasta e cheia de marcas, mas com a certeza de que valeu a pena.”
(Ditinho Joana)
Agora é pra valer. Fevereiro traz consigo a volta à rotina para a maioria das pessoas. É o fim das férias para muitos trabalhadores e também para os estudantes. Os hotéis turísticos ingressam na chamada “baixa temporada”, com reduzidas taxas de ocupação e preços mais módicos. Empresas retomam a produção paralisada por força da crise do último trimestre de 2008. O trânsito caótico ganha novamente as ruas das grandes cidades. Até mesmo os parlamentares retornam de seu recesso. É hora de desengavetar os planos traçados na virada do ano e partir rumo à sua implementação.
Ler o jornal, acessar a internet, ouvir o rádio – atualizar-se. Fazer telefonemas, responder e-mails, participar de reuniões – comunicar-se. Tomar banho, fazer as refeições, praticar esportes – cuidar-se. A vida é uma sucessão de ações cotidianas (que se repetem diariamente), corriqueiras (desenvolvidas cada vez mais em alta velocidade) e rotineiras (do francês routine, o caminho muito frequentado).
Há um costume equivocado, em meu entender, compartilhado por muitos. É o hábito de separar prazer de obrigação, trajeto de destino, vida pessoal de profissional. Assim, vejo pessoas declararem que sonham passar os últimos dias de suas vidas em uma casa no campo, longe da agitação urbana. E outros que afirmam trabalhar com afinco durante meses apenas para garantir a posse de alguns bens ou uma viagem de lazer no próximo interlúdio.
Ditinho Joana é um artesão nascido, criado e residente na pequena São Bento do Sapucaí, em São Paulo, próxima à divisa com Minas Gerais. Em seus 35 anos de carreira tem talhado em madeira de lei parte de sua história e da vida rural local, lançando mão apenas de uma machadinha, um canivete e um formão. As obras são esculpidas em bloco único, dispensando o uso de colagens ou encaixes. E seu trabalho faz-me lembrar da declaração de Michelangelo, ao cinzelar em pedra, de que “apenas tirava as sobras, pois a estátua já estava lá”.
O ícone do trabalho de Ditinho é uma bota. Simples, amarrotada, calejada. A bota que capinou o chão, que escalou montanhas, que pisou o barro. A bota que o conduziu de lavrador a artista, que edificou sua casa e construiu sua família.
Atendendo hoje em seu próprio ateliê, seu sorriso gracioso denuncia que a trajetória – cotidiana, corriqueira e rotineira – valeu a pena.
A vida que a gente vive parece herdada com instruções, uma bula escrita pelos ascendentes e pela sociedade ensinando-nos o “como usar”. O que devemos, podemos ou não dizer e fazer. O que é ético, antiético e aético. O que é moral, imoral e amoral. O que é certo e o que é errado. Tarefas por realizar, planos por concretizar, horários por cumprir.  Dias que sucedem, com noites intercaladas, algumas maldormidas, outras serenas pela leveza da boa consciência.
Não dá para ignorar todas as instruções. Mas é possível reescrever algumas. E encontrar prazer na obrigação, contemplar o trajeto até o destino, conciliar vida pessoal e profissional. Descansar em uma casa no campo em um final de semana e não apenas ao final de uma vida.
A lição de Ditinho é para ser aprendida. Espero que minhas botas também fiquem gastas e repletas de marcas. Continuo caminhando…

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