Uma estratégia que tem dado bons resultados, segundo Haddad, pode ser definida como o modelo 2+1. Três profissionais se associam. Um deixa o emprego para viabilizar o início da empresa. Os outros dois parceiros continuam empregados e se cotizam para pagar o salário do sócio que se demitiu – até o ponto em que o negócio começa a crescer e absorve a todos. ”Esta tendência me parece muito forte nas duas pontas etárias: os abaixo de 30 anos e os acima de 50”, constata Isaías Feigenson, sócio responsável pela área de recrutamento de executivos da KPMG no Brasil. Na ponta dos profissionais mais jovens, Feigenson credita o fenômeno a fatores como o fim do full employment (aquele emprego com maiúsculas, sólido e promissor), o nível cada vez mais baixo dos salários iniciais e a atratividade de negócios em segmentos que estão despontando, como a internet. Entre os cinqüentões, o que pesa, mesmo, é o fato de que são profissionais que fizeram algum pé-de-meia, andam saturados do estresse das organizações – e preocupados com a aposentadoria, pode-se acrescentar.
Sejam quais forem as razões, o que se percebe é uma mudança na forma como o brasileiro se dispõe a ganhar a vida. ”A aversão que temos a empreender começa a ser superada, mas é no tapa”, ironiza Fernando Dolabela, professor da Universidade de Federal de Minas Gerais. Convicto de que para um empreendedor de verdade 24 horas é pouco, Dolabela não vê no fenômeno dos empregados-empresários sinais de uma evolução cultural. ”É muito mais uma resposta das pessoas à instabilidade e à escassez do emprego”, sustenta.
“SEJA QUAL FOR O MOTIVO, O QUE SE PERCEBE É UMA MUDANÇA NA FORMA COMO O BRASILEIRO SE DISPÕE A GANHAR A VIDA”
Enfático, o consultor Roberto Adami Tranjan, autor de “Não Durma no Ponto – o Que Você Precisa Saber para Chegar Lá”, diz que só considera empreendedor quem gosta de risco e tem um sonho. ”A pessoa que fica no emprego, por uma questão de segurança, está burlando a regra número 1 do empreendedorismo, que é o risco”, critica. Nesta situação, define, o que se tem não é um empreendimento, mas uma segunda atividade – com baixo potencial de desenvolvimento e até mesmo pouca duração. ”O horizonte, para esta pessoa, é o fim do mês. Ou seja, é aquela mesma visão burocrática do assalariado, só que transposta para um negócio próprio.” No conceito de Tranjan, empreendedor é quem dedica 100% (no mínimo) do tempo a seu negócio e não desliga nem mesmo quando está na praia. ”Ele toma caipirinha, olha as mulheres e tal, mas está de antenas ligadas e sente prazer nisso. Para ele, trata-se de uma atividade lúdica”, teoriza. Tranjan também desconfia de empreendedores que não perseguem um sonho, um projeto, mas apenas o lucro. ”Aí não é empreendimento. É tábua de salvação.”
O infografista, desenhista e escultor carioca Fernando Rodrigues, 47 anos, é tudo o que não cabe neste perfil ortodoxo de empreendedor. Há que se fazer uma ressalva, é verdade: ele tem um sonho. Quer ganhar muito dinheiro para investir no que mais gosta: desenhar. O caminho que Fernando escolheu, no entanto, é, no mínimo, pitoresco. Em primeiro lugar, ele não concilia seu negócio com um emprego, e sim com dois. Pela manhã, trabalha numa agência de publicidade. À tarde, pode ser visto na redação do jornal O Globo, onde dá expediente como integrante da editoria de arte.
Quanto ao empreendimento que escolheu, nada mais surpreendente para um artista: dedetização. A idéia veio de um cunhado que acabara de sair de uma grande empresa do ramo. ”Ele tinha a experiência e a clientela. Eu, o capital. Senti que poderia dar certo, apesar de não ter qualquer relação com meu trabalho”, lembra Fernando. Nascia ali a Imuniforte, hoje com dez anos, cinco funcionários e uma lista de clientes que inclui a mãe de Roberto Carlos. Pequena, mas competitiva, a Imuniforte foi apontada como a opção mais barata (sem trocadilho) do ramo em recente reportagem do jornal O Dia, orgulha-se o infografista dedetizador.
Alguém poderia dizer que Fernando está se violentando com um empreendimento que afronta sua alma de escultor e desenhista, além de cultivar uma relação fria, puramente monetária com a atividade que o ajudou a criar os filhos (uma menina de 11 anos e um garoto de 14). Não é o que se sente quando fala sobre a sua empresa.
” Eu acompanhava os funcionários e aprendi as técnicas. É interessante o processo de descupinização, aqueles furos que são feitos na madeira para encontrar os focos de cupim.” “Fomos a primeira empresa a trabalhar com máquinas de fumaça”, orgulha-se.
Se dependesse de sua vontade, a Imuniforte seria bem maior. ”Poderíamos crescer mais. Pena que meu sócio não quer arriscar”, resigna-se. O sonho de um dia se dedicar apenas ao desenho não morreu, mas até lá Fernando procura fazer de seu novo ofício uma arte. ”É preciso talento para matar barata. Para tudo, ele é necessário, não?”
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