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por Daniele Aronque

Empregos.com.br – De onde surgiu essa vocação para cuidar de crianças?
Zilda Arns –
Acho que cuidar de crianças é uma vocação natural. Tive uma infância muito feliz e gostaria que todas as crianças pudessem ter as coisas que eu tive. Minha mãe me amamentou até mais de 3 anos e sempre fui muito estimulada por todos da família. Sou a 12ª filha de um total de 13 e talvez por ter crescido no interior, no meio de tantas crianças, goste tanto de trabalhar com elas. Lembro que adorava cuidar das crianças durante a missa, chegava sempre mais cedo só para ficar com elas no colo – achava a coisa mais linda do mundo e as crianças também gostavam muito de mim!

Empregos.com.br – Quando decidiu que cuidar de crianças seria seu objetivo na vida?
Zilda Arns –
Não sei dizer ao certo, mas acredito que minha infância teve muita influência na vida que levo hoje. Tudo naquela época foi muito marcante. Em Forquilhinha (PR), onde eu nasci, não havia médico, polícia e mal sabíamos o que era Estado. Morávamos na zona rural e vivíamos nos machucando com pregos, cercas de arame farpado…e minha mãe, que lia muitos livros sobre medicina caseira, cuidava da gente como se fosse uma médica! Mas uma experiênciamarcante foi uma vez que precisei ir a um médico na cidade de Criciúma e uma criança chegou lá com infecção, cheia de feridas espalhadas pelo corpo. Queria de qualquer jeito que ela fosse para minha casa, pois tinha muito medo que ela não fosse bem tratada!
Empregos.com.br – E a medicina?
Zilda Arns –
Quando decidi ser médica tinha cerca de 15 ou 16 anos. Achava uma profissão muito bonita, principalmente depois que assisti a um vídeo sobre crianças desnutridas no Rio de Janeiro e senti que tinha muita vontade de ajudar essas pessoas. Minha mãe ficou muito contente com minha escolha, mas meu pai achava que eu tinha vocação para ser professora e insistia nisso. Continuei insistindo no meu propósito – queria ser médica missionária, achava que esse era meu destino.
Empregos.com.br – Como começou seu trabalho com as crianças?
Zilda Arns –
Durante a faculdade já comecei a cuidar de crianças nos hospitais. Me doía muito ver as crianças sofrendo longe das mães por problemas que poderiam ter sido evitados com o soro caseiro, como desidratação e diarréias. Algumas mães trocavam o leite do peito por mamadeiras cheia de moscas na ponta e eu não entendia por que elas faziam isso. Então conversava muito e explicava como as coisas deveriam ser, principalmente algumas ações preventivas para que as crianças não precisassem ser internadas.

Empregos.com.br – Ser irmã de D. Paulo influenciou na criação da Pastoral?
Zilda Arns –
Bom, a história da Pastoral começou em 1982, numa reunião da ONU sobre a Paz Mundial. O então diretor executivo do UNICEF, Sr. James Grant, convenceu meu irmão, que era Cardeal Arcebispo de São Paulo na época, de que a Igreja poderia ajudar a salvar a vida de muitas crianças que morriam de doenças fáceis de prevenir. Um exemplo é a desidratação causada pela diarréia.
Milhões de mães poderiam salvar seus filhos da morte se soubessem preparar soro caseiro, considerado um dos maiores avanços da história da medicina. Voltando ao Brasil, Dom Paulo me falou sobre essa idéia e perguntou se eu aceitaria pensar em como isto poderia se tornar realidade.
Empregos.com.br – E depois, como tudo aconteceu?
Zilda Arns –
Essa idéia veio ao encontro do que eu pretendia. Já estava há treze anos como diretora de Postos de Saúde e Clubes de Mães, na região metropolitana de Curitiba, e sempre reparava que os mais pobres só vinham consultar o médico quando a criança já corria risco de vida. Queria aproveitar todas as oportunidades para reforçar a educação e a preocupação com a prevenção e a saúde. Como médica pediatra e sanitarista, sentia falta de um trabalho de educação nas comunidades e tinha a certeza de que a maioria das doenças que acometiam as gestantes e as crianças poderiam ser facilmente prevenidas, se as famílias tivessem mais conhecimentos e apoio necessário.
Empregos.com.br – Como o trabalho foi iniciado?
Zilda Arns –
Resumindo bastante, a proposta de como a Igreja poderia participar desta luta para reduzir a mortalidade infantil foi apresentada na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em 1983, que indicou Dom Geraldo Majella Agnelo para acompanhar o trabalho da Pastoral. Começamos por Florestópolis (PR), município que tinha a maior mortalidade infantil do estado. A maioria das famílias era de bóias-frias, que trabalhavam nos canaviais, nas colheitas de café e de algodão ou não tinham serviço. Combinamos que fossem escolhidas 20 pessoas comprometidas em ajudar as famílias e fizemos uma reunião com elas para discutir o plano de redução da mortalidade. Escrevi uma pequena apostila sobre saúde da gestante, aleitamento materno, vigilância nutricional, reidratação oral e vacinação e sempre que voltava a Florestópolis com a equipe de capacitação, perguntava sobre tudo o que estava acontecendo. Foi com o sucesso desse trabalho que começou a expansão da Pastoral. Em 1987 assinamos um convênio com o governo, que se somou ao apoio financeiro dado pela UNICEF. Com esse recurso foi possível enviar às Dioceses um pequeno apoio financeiro para treinamentos, comprar balanças para pesagem das crianças e outros.
Empregos.com.br – Hoje são mais de 145 mil voluntários. Como administrar tanta gente?
Zilda Arns –
Com o crescimento da Pastoral da Criança houve necessidade de informatizar os dados das comunidades. Capacitamos coordenadores para preencher com cuidado a FABS (Folha de Acompanhamento e Avaliação Mensal das Ações Básicas de Saúde, Nutrição e Educação na Comunidade) que tem como base os dados do Caderno do Líder. Mais tarde, organizamos mensagens de incentivo ou alerta de acordo com os resultados alcançados. Essas mensagens passaram a ser enviadas às paróquias e dioceses a cada três meses. A experiência foi um sucesso, comprovado pela redução da desnutrição e mortalidade infantil nas comunidades onde a Pastoral da Criança atuava. Hoje a Pastoral está presente em todo o Brasil, com milhares de pessoas, em sua maioria mulheres, atuando voluntariamente. São líderes comunitários, equipes de coordenação dos estados, dioceses, áreas e paróquias que estão mudando a cara do Brasil. A essa história de sucesso foram sendo incorporadas novas e importantes ações complementares como a Geração de Renda, Alfabetização de Jovens e Adultos, Brinquedotecas Comunitárias, entre outros.
Empregos.com.br -Como aconteceu a indicação para o prêmio Nobel da Paz?
Zilda Arns –
Em setembro passado, eu estava no Conselho Nacional de Saúde e o ministro José Serra me disse: “Dra. Zilda, eu vou sugerir ao presidente Fernando Henrique que indique a Pastoral da Criança ao prêmio Nobel da Paz, porque é um modelo muito interessante e que deve ser conhecido”. Eu nunca tinha pensado nesse prêmio, mas lhe disse que a Pastoral já era um modelo de referência, pois atuava no Paraguai, Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, Bolívia, Venezuela, Argentina e outros países. Sonho que se o Nobel da Paz vier para a Pastoral, talvez fortaleça a idéia da promoção da paz e da fraternidade. Será que a gente não tem que chacoalhar o mundo e dizer: pare de fazer guerra, isso não leva a nada, o mundo é mais feliz se for mais fraterno?
Empregos.com.br – O que significou essa indicação que a Pastoral recebeu?
Zilda Arns –
É um importante reconhecimento pelo trabalho desenvolvido por mais de 150 mil voluntários em mais de 32 mil comunidades, nos bolsões de pobreza e miséria de todo o Brasil. Isso mostra a importância dessa ação simples, mas que criou uma verdadeira rede de solidariedade nessas milhares de comunidades. Hoje, são mais de 1,5 milhão de crianças menores de seis anos sendo acompanhadas e já se reconhece que esse trabalho tem sido fundamental para a queda nos índices de desnutrição e mortalidade infantil no Brasil. Ao mesmo tempo, a indicação aumentou o conhecimento da sociedade sobre a ação da Pastoral da Criança. Isso amplia o número de interessados em colaborar como voluntários ou como parceiros. Através dessa maior exposição, também aumentam as chances de que as ações sejam conhecidas e aplicadas em outros países.
Empregos.com.br -Como fazer para colaborar com a Pastoral?
Zilda Arns –
Para ser um voluntário deve-se procurar a paróquia ou diocese mais próxima. Lá, as equipes de coordenação podem explicar que projetos são desenvolvidos em cada comunidade e avaliar em qual deles cada voluntário pode colaborar mais. O tipo de trabalho depende da disponibilidade e aptidões da pessoa. Como existem diversos programas, os voluntários podem se distribuir por áreas. Assim, temos jornalistas, publicitários na Rede de Comunicadores Solidários à Criança; professores nos cursos de alfabetização de jovens e adultos; dentistas na área de saúde bucal etc. Também temos pessoas que ajudam cuidando das crianças no dia da pesagem, preparando cartazes para as reuniões ou tocando músicas durante os encontros. Todos são bem-vindos e podem colaborar.

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