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O anúncio feito pela General Motors do Brasil da demissão 11 funcionários e advertência a outros 84 pelo uso indevido do correio eletrônico (e-mail) ganhou as primeiras páginas de quase todos os jornais do país e criou uma polêmica. Qual é o limite para o uso da Internet na empresa? A dispensa não é uma forma de punição exagerada?
Em nota oficial à imprensa, a montadora afirma que “todos os funcionários estão cientes da política da GM no Brasil e no mundo por reiteradas manifestações condenando o uso ilegal, antiético, não autorizado ou prejudicial de equipamentos e sistemas de informação. Isto inclui: acessar, transmitir ou armazenar material impróprio, pornográfico, obsceno ou ofensivo e depreciativo em relação à idade, raça, sexo, religião, nacionalidade, deficiência física ou orientação sexual. Esta conduta não é tolerada e o empregado que violar esta política estará sujeito a ações disciplinares, incluindo-se a demissão”.
Para o Dr. Leonardo Barém Leite, sócio do escritório Demarest & Almeida Advogados, é fundamental que as empresas criem uma normatização para o uso de quaisquer instrumentos de comunicação, não somente correio eletrônico ou Internet. “A primeira discussão é: será que todo mundo deve ter? Em princípio não, porque trata-se de um meio que algumas pessoas precisam ter em função do seu trabalho”, orienta. “A empresa deve ter em mente se a pessoa tem condições e necessidade de utilizar determinado equipamento e se ela vai seguir a sua política”, recomenda.
Boa parte das grandes empresas, em especial as multinacionais, criaram regulamentos específicos para o uso da Internet e do e-mail. A Alcoa Alumínio é um exemplo de empresa que tem uma política clara de monitoramento de e-mail e Internet. A política de segurança, que engloba os 3.807 usuários na América do Sul, é de conhecimento de todos os funcionários, os quais devem reconhecer que estão cientes dela e, para isso, é amplamente divulgada em todos os meios de divulgação internos.
Nesta política estão bem explicitados quais os conteúdos não são permitidos pela empresa. Ela está apoiada em quatro pontos fundamentais: a utilização da Internet deve estar associada ao uso no trabalho e para o desenvolvimento profissional; o funcionário é responsável por sua ação na Internet; é proibido navegar em sites de pornografia, drogas, hacker, ou qualquer outro assunto que conflite com os interesses da empresa; e o acesso à Internet é monitorado.
Com estes esclarecimentos, a Alcoa acredita que é possível coibir abusos e problemas futuros. “Não imagino que estamos ultrapassando os limites da privacidade, pois deixamos bem claro que o acesso é para uso profissional e que, por isso, o funcionário não tem motivo de se sentir ofendido por ser monitorado”, argumenta André Pires Ferreira Magalhães, gerente de segurança da empresa.
A política da Alcoa é embasada juridicamente, concorda o Dr. Leonardo Leite. Ele cita o artigo 5.º da Constituição Federal, que discute o direito à intimidade e à privacidade. “Eles são sinônimos em algumas coisas, mas são conceitos diferentes, porque a intimidade e a privacidade da pessoa têm que ser preservadas, mas elas têm contrapontos, porque no artigo 5.º existe uma lista grande de direitos e não diz que um é mais importante que o outro, afinal eles interagem”, explica. “O meu direito de privacidade existe, mas ele tem limites, não posso sair fazendo o que eu quiser”, exemplifica.
O advogado salienta que, se por um lado, deve ser preservada a privacidade e a intimidade da pessoa, também existe o direito de propriedade e, nesse caso, é da empresa. “Em um exemplo prático, significa a organização dizer: você tem a privacidade, mas dentro dessas regras, porque o equipamento é meu e eu não estou dando para você levar para casa e fazer o que quiser, é como uma mesa que está à disposição, mas não para sair quebrando ou levar para casa no fim de semana, é para trabalhar”, simplifica. “O direito de propriedade deve ser usado como contra-ponto ou contra-peso à intimidade e à privacidade”, avalia.
Outro exemplo dado pelo advogado que não significa invasão de privacidade é o poder legal e organizacional do empregador em controlar o pessoal, como o cartão de ponto e as revistas pessoais. “Quando os funcionários saem de uma fábrica ou de uma loja, a revista, se por um lado é uma invasão a sua privacidade, ela tem uma razão de ser, porque o objetivo não é invadir a pessoa, xeretar ou bisbilhotar, mas para controlar”, sintetiza.
Justa causa
Apesar da garantia ao direito de propriedade, a empresa que demite um empregado por justa causa pode sofrer um grande revés, pois já há jurisprudência que obriga a organização a reverter a decisão e pagar os direitos trabalhistas ao demitido. Em seu comunicado oficial, a GM deixa claro que a dispensa foi realizada sob a rubrica “sem justa causa”, garantindo-se assim que os envolvidos recebam seus direitos previstos na legislação.
Mas já houve um caso em que o empregador demitiu um funcionário por justa causa e teve que reverter a decisão na Justiça. Em maio do ano passado, a HSBC Seguros descobriu que um empregado usou o provedor, o sistema e um dos computadores da empresa para enviar imagens eróticas para colegas de trabalho. Segundo os advogados da seguradora, a conduta do funcionário não condizia com ”os padrões mínimos de moral” que se poderia exigir e o demitiu por justa causa. Mas os argumentos dos advogados não convenceram o juiz José Leone Cordeiro Leite, da 13.ª Vara do Trabalho de Brasília, e condenou a HSBC Seguros a pagar os direitos trabalhistas. A jurisprudência desse caso pode ser consultada no site.
Outra montadora que teve um problema semelhante ao da GM e deve enfrentar contestação na Justiça é a Ford. A história é bem parecida com a da General Motors, com a diferença de que desta vez envolveu menos pessoas. Um funcionário recebeu um e-mail com um busto nu, repassou a mensagem e esta chegou à unidade do Canadá, de onde partiu a reclamação. Depois de 45 dias de negociações, a montadora resolveu demitir no dia 6 de maio, dois funcionários que trabalhavam no setor de logística.
O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC defende que a punição é muito dura, pois os funcionários não receberam treinamento e orientação adequada quando passaram a trabalhar com computadores no início do ano. Segundo o sindicato, os dois demitidos recorrerão à Justiça.
Exemplos de procedimentos
O monitoramento do uso da Internet é recorrente, principalmente nas multinacionais. Na Alcoa, o sistema bloqueia o acesso a determinados sites automaticamente. Para os que não estão cadastrados, o sistema faz uma busca por palavras chaves e então notifica o funcionário que não é permitido o acesso àquele conteúdo. Se mesmo assim ele continuar navegando por aquelas páginas, pode receber uma punição. “A política prevê uma punição, mas não especifica qual, porque isso varia de caso a caso e, além do mais, como isso vale para toda América do Sul, cada país tem uma cultura que deve ser levada em conta”, esclarece André Magalhães, gerente de segurança da multinacional. “É a chefia, junto com o departamento de RH, que vai tomar uma decisão sobre o caso”, frisa. Mesmo com este posicionamento claro a respeito da Internet, a Alcoa já teve problemas que resultaram inclusive em demissões.
No caso de e-mail, o processo é diferente. O sigilo do e-mail é preservado e o departamento de TI não tem acesso ao conteúdo. O sistema faz somente uma busca por palavras chaves com o objetivo de identificar a entrada de possíveis vírus. Quando é detectado algum problema, o usuário é avisado. “Com esses cuidados, conseguimos fazer com que, de um ano e meio para cá, só tivéssemos uma incidência de vírus na rede”, revela. Para o estabelecimento dessa política, foi preciso uma ação conjunta com outras áreas, como jurídico e recursos humanos. “Eles são importantes para nos dizer o que dá e o que não dá para fazer”, afirma. “RH contribui muito para ajudar na conscientização dos funcionários e para a ampliação da divulgação da política”, atesta Magalhães.

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